Poder familiar entre gêneros

*Lana Castelões

A família é o primeiro contato social que temos ao nascer. E é nela onde descobrimos as primeiras sensações que nos fazem desenvolver parâmetros interpretativos sobre questões da vida.

Independente se a família é formada por apenas um dos genitores (mãe ou pai) com seu respectivo filho ou filha, ou se traz vários entes interligados pela afeição, sem consanguinidade, a verdade é que, tamanha a importância dessas relações que o Estado é obrigado por lei a proteger a família (artigo 226, Constituição Federal).

Isto porque, além do afeto, aquelas relações também geram consequências jurídicas como obrigações patrimoniais e assistenciais. Tais efeitos não são para prejudicar mas para proteger todos aqueles que compõe o seio familiar, garantindo o direito de cada um, diante de possíveis desventuras que deveras as famílias são acometidas.

Para externar a necessidade da proteção legal da família, através de uma conotação exemplificativa, analisemos um instituto tratado pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) que, em conjunto com outras normas fomentam o melhor desenvolvimento da criança e do adolescente em âmbito familiar, a priori.
Ao gerar um filho, seja via natural ou por adoção, os pais atraem para si o Poder Familiar. São os direitos e responsabilidades envolvidos nas relações entre pais e filhos enquanto menores e não emancipados (artigos 1.630 e seguintes do Código Civil).

Dentre as atribuições atraídas pelos pais, o poder familiar lhes obriga a dar sustento, educação, exercer a guarda, consentir ou não sobre diversas conjecturas domésticas que envolvem os menores.

Ocorre que, na prática, centenas de mulheres estão sendo extirpadas do mercado, expulsas da produção de capital interno de um país por ainda estarem inseridas em uma cultura que impõe ao gênero feminino todas as obrigações legais, restando aos pais apenas o cumprimento do dever de sustento (financeiro). Isto, quando ainda prestam alguma provisão dentre todas descritas no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente que também versa sobre as obrigações do pai e da mãe frente a criança e ao adolescente.

Todas estas obrigações dos genitores para com seus filhos menores são incontroversas. O que ainda não está esclarecido à sociedade, na prática, é que tais atribuições são de ambos os genitores e, para uma melhor saúde da própria família, devem ser divididas entre ambos para que não haja sobrecarga daquele mais disposto (ou imposto) a ajudar.

Quantas mães acabam abrindo mão de sua qualificação e de seu trabalho externo para viver por conta da criação, cuidado e educação dos filhos, sozinha. Ser mãe não precisa ser tão penoso para as mulheres enquanto ser pai também não precisa atrair unilateralmente a total obrigação de prover o sustento da família.

Nossa legislação não escolhe ou relaciona um tipo de obrigação para a mãe e outra para o pai, mas determina que ambos deverão assumir a responsabilidade do Poder familiar, juntos.

Quando um genitor se abstém de sua profissão para cuidar das atribuições domésticas sozinho, necessariamente não mais tem condições temporais de produzir capital, pois esgotou todo seu tempo e energia na rotina doméstica. E geralmente, esta renegação é da mulher. Quem perde é toda a sociedade.

Este mês a Forbes publicou que a presença de mulheres nos diversos nichos empresariais “não é apenas a coisa certa a se fazer de um ponto de vista ético, mas é também uma estratégia inteligente do ponto de vista econômico” (forbes.uol.com.br).

A revista segue afirmando que as companhias que aplicam de fato as políticas de incentivo, com atração e retenção voltadas para mulheres, têm mais eficácia inovadora. Diversidade não é mais uma opção para as empresas, é fator determinante para qualquer modelo de negócio (Cristina Kerr, CEO da CKZ).

Em uma análise puramente econômica, quando as mães deixam de produzir capital em prol dos cuidados da família que a ela foram direcionados sem a ajuda do genitor de seus filhos, este capital não volta.

No Judiciário, quando se trata de Ações Familiaristas, quantos juízes já enviaram para a contadoria do Tribunal solicitações para se calcular o chamado “capital invisível”(CARTA CAPITAL, publicação de 3/5/2019) investido pelo genitor na criação de sua prole enquanto o outro mergulhava fundo no mundo do empreendedorismo porque confiava seus filhos àquele “do lar”?

O Estado tem um limite para intervir nas relações familiares, mas o maior alarme que expõe sua necessidade de intervenção, é o momento em que ocorrem ameaças aos átrios da dignidade da pessoa humana.
Não seria um atentado contra a dignidade impor à apenas um dos pais, quase que exclusivamente, os custos de tempo, vida e sonhos pelos cuidados na vida dos filhos?

O cuidar de uma criança não é atribuição de gênero e o princípio da solidariedade é realmente aplicado nas relações afetivas quando as obrigações são cumpridas em conjunto para que o outro não se esgote de forma a perder toda a real essência da família, o amor.

*Lana Castelões é advogada, conselheira seccional da OAB-GO e vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada