Os limites da CPI

*Thárik Uchôa

O Brasil tem acompanhado com atenção a CPI da Covid no Senado há meses e, geralmente, o grande foco vai para as declarações dos depoentes e dos senadores. Contudo, também é preciso dar importância a outro ponto, que chega a ser até menosprezado perante a sociedade: os limites que a CPI tem (ou, pelo menos, deveria ter). O mesmo vale para uma comissão que apura um processo administrativo disciplinar, já que ambas as investigações estão na esfera da administração pública, e não no âmbito judiciário.

No caso da Comissão Parlamentar de Inquérito em andamento no Senado, ela foi instaurada para verificar se há indícios de crime de responsabilidade na compra das vacinas contra a Covid-19, entre outras ações do governo federal no combate à pandemia. Mas, nem sempre os membros da comissão respeitam com rigor o seu objetivo. Como, geralmente, tanto os membros de uma CPI quanto os de uma comissão de processo administrativo não são formados em Direito, é possível observar várias ilegalidades e até um certo amadorismo na condução desses processos.

Por vezes, os parlamentares atropelam o regimento interno e não o observam estritamente. Daí a importância de um advogado acompanhar quem vai prestar o depoimento, pois é o advogado quem vai apontar as ilegalidades e irregularidades, requerendo que o devido procedimento seja respeitado. Da mesma forma, é de suma importância que os membros da comissão respeitem os advogados. Uma situação emblemática que ocorreu na CPI da Covid (e que não deveria ter ocorrido) foi quando o senador Otto Alencar (PSD-BA) fez uma piada com o advogado de Carlos Wizard.

Na ocasião, o parlamentar afirmou que o advogado Alberto Zacharias Toron estava “corado” e que seu cliente havia “amarelado” na comissão. Quando Toron respondeu à colocação, Alencar quis cassar a palavra do advogado e ameaçou retirá-lo da sessão. Ora, é uma prerrogativa do advogado acompanhar o depoimento, sobretudo para resguardar os direitos do cidadão, sendo inimaginável um advogado não poder ter acesso ao seu cliente. Nesse caso, há um cerceamento do direito de defesa do cidadão e do devido processo legal.

Situações como essa, em que pode ser constatada violação das prerrogativas da advocacia, são passíveis de serem repreendidas pela OAB. Nesse caso, um dia após ter tratado Toron de maneira jocosa, o senador foi notificado para que assegure o livre exercício dos advogados na CPI.

Enquanto membro e relator de vários processos de apuração de violações das prerrogativas da advocacia, vejo que algumas delas podem configurar, inclusive, crime de abuso de autoridade.
Outro limite que uma CPI deveria respeitar é ter um fato específico para investigação. Caso surjam fatos novos, deve ser aberta uma nova CPI para apurá-los. Levantou-se a hipótese de convocação de Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada do presidente, para prestar depoimento na CPI da Covid, após ter sido divulgado um áudio em que ela liga Bolsonaro a um possível esquema de rachadinha quando ainda era deputado federal. Entretanto, a convocação dela seria totalmente irregular, pois não tem relação com o combate à pandemia.

Algumas pessoas alegam que o depoimento dela poderia demonstrar um suposto modo de vida corrupto do presidente, porém a CPI tem que ter uma delimitação de assunto a ser investigado, não sendo possível colocar temas diferentes para serem averiguados numa mesma CPI. Além disso, observo que alguns membros acabam fazendo da CPI da Covid uma espécie de palanque político, ao invés de se aterem somente à apuração dos fatos, para saber se houve mesmo crime de responsabilidade no enfrentamento à pandemia.

Apesar de também ter um caráter político, a CPI precisa respeitar os limites legais e o rigor técnico, pois a prioridade deve ser investigar se há indícios de crime de responsabilidade ou não. O caráter político deveria vir em segundo plano, sobretudo porque uma CPI aborda interesses que afetam a sociedade como um todo. Então, quando alguns membros recorrem a falácias ou partem para ataques pessoais, o foco principal é perdido.

*Thárik Uchôa é advogado especializado em Direito Público que atua no escritório Uchôa Advocacia