O “Grande Irmão”

giuliano miottoAno passado foi editada uma Instrução Normativa que obriga os bancos a quebrar o sigilo bancário de seus clientes e informar movimentações das pessoas físicas acima de R$ 2 mil e, no caso das pessoas jurídicas, de R$ 6 mil. Essa norma deveria começar a valer a partir de fevereiro e o STF ,esta semana, pela validade da mesma. Frederic Bastiat começa o seu livro mais famoso com as seguintes palavras: “A LEI PERVERTIDA! E com ela os poderes de polícia do estado também pervertidos! A lei, digo, não somente distanciada de sua própria finalidade, mas voltada para a consecução de um objetivo inteiramente oposto! A lei transformada em instrumento de qualquer tipo de ambição, ao invés de ser usada como freio para reprimi-la! A lei servindo à iniquidade, em vez de, como deveria ser sua função, puni-la! Se isto é verdade, trata-se de um caso muito sério, e é meu dever moral chamar a atenção de meus concidadãos para ele.” (A Lei)

Como profissional do direito uma das minhas atividades é tentar acompanhar e me manter atualizado sobre a grande quantidade de leis, instruções normativas, decretos e uma miríades de regras que incidem sobre a nossa vida. Vivemos nesse grande labirinto legal onde mora um monstro que vai nos pegar a qualquer instante. O pior é que o Grande Irmão, aquele de George Orwel, está cada vez mais aparelhado para nos observar, captar cada atividade de nossas vidas e as normas estão sendo usadas como instrumentos de iniquidade, tirando de nós cada vez mais liberdade.

É simplesmente estarrecedor observar a sanha arrecadatória dos Governos, acompanhada da ineficácia notória dos mesmos na gestão dos recursos públicos, somado a isso o elemento da corrupção endêmica, cujos agentes ativos e passivos se apropriam de uma boa parte dos recursos gerados, agindo como aqueles vampiros ávidos pelo sangue de suas vítimas. Neste ponto, é importante atentar para o fato de que o Brasil é um país com enormes distorções jurídicas e onde a lei é claramente usada como instrumento de ambições políticas. Isto porque o modelo de Estado brasileiro caro, inchado e ineficiente tem servido muito bem aos interesses de grupos políticos que se elegem com o voto dos pobres e necessitados.

Por isso, é preciso refletir sobre as finalidades, consequências e abusividade na edição de normas como esta, que serve apenas para ser mais um mecanismo pelo qual o Estado pode sugar as últimas gotas do sangue dos seus cidadãos, gentilmente chamados de contribuintes. E aqui existe uma enorme piada de mal gosto, pois a incidência do fato gerador dos tributos estabelece uma obrigação de caráter coercitivo de pagarmos a César, o que é de César e às vezes até mesmo aquilo que não é de César. Desta maneira, nos chamar de contribuintes aqui no Brasil é brincar com nossa inteligência.

Além disso, a referida norma consolida uma cultura reinante na abordagem clássica do fisco, o qual age como se os “contribuintes” fossem quase sempre desonestos, o que nem sempre é verdade. Se continuarmos nesta toada, em breve haverá uma importante mudança na sistemática de lançamento e cobrança dos impostos que hoje são lançados mediante declaração, como é o caso do imposto de renda, pois eles passarão a ser lançados de forma direta e unilateral pelo órgão fazendário e caberá a nós, contribuintes, apenas tentar se defender de lançamentos abusivos pelas vias administrativas ou judiciais. Será o equivalente tributário do atire primeiro e pergunte depois. O Brasil está mesmo no fundo do poço.

*Giuliano Miotto, advogado, empresário e consultor patrimonial