O governo que não comanda e nem parece comandar a segurança pública

*Bartira Macedo de Miranda

“Quem comanda a segurança pública no Brasil?” com esse título o professor Robson Sávio Reis Souza, da PUC-MG, publicou em livro o resultado de suas pesquisas de doutorado em Ciências Sociais. O livro foi publicado em 2015 e faz um estudo sobre os atores, crenças e coalizões de que dominam a política nacional de segurança pública. O autor identificou duas coalizões de forças e ideologias que disputam as narrativas e o poder na segurança pública: a reformista e a conservadora. A primeira quer mudanças, a outra luta por permanência. Entre uma e outra, a segurança pública fica no imobilismo e na permanência de um modelo de estado penal autoritário e violento.

O sonho de construir uma sociedade democrática em um estado republicano parece cada vez mais distante diante da incapacidade da nação de fazer qualquer reforma séria e profunda na área da segurança pública, subordinando-a aos governos civis e aos ideais de um Estado Democrático de Direito. As instituições do sistema de segurança pública parecem impermeáveis aos princípios e valores estabelecidos pela Constituição Federal. A própria Constituição de 1988 não fez diretamente grandes alterações na área da segurança, pois, de um lado, constituiu um modelo de estado democrático de direito, por outro lado, não teve forças para expurgar os traços autoritários da segurança pública. A CF manteve a segurança pública nas mãos das polícias, contudo, colocou as polícias nas mãos dos governadores.

No âmbito federal, a CF subordinou as forças armadas à “autoridade suprema do Presidente da República” (art. 142). No âmbito estadual, as polícias subordinam-se aos governadores (Art. 144, § 6º). Do ponto de vista da correlação de forças, isso não é pouca coisa. Afinal, se todo poder emana do povo, é a sociedade civil que deve determinar, por meio de seus representantes eleitos – os governadores –, o papel da polícia e seus limites.  

Em Goiás, parece acontecer o contrário. É a polícia que cada vez mais quer determinar que tipo de sociedade ela quer. A militarização das escolas é um sintoma.

Embora todos percebam que o controle das polícias é algo muito difícil, as instituições seguem como podem – e conseguem. O controle externo da atividade policial, que a CF colocou nas mãos do Ministério Público, segue entre a utopia e a difícil tarefa de exercer qualquer controle efetivo. Investigações contra grupos de extermínios e outras mazelas terminam em sérias ameaças de morte aos promotores. Qualquer crítica à atuação violenta da polícia gera uma reação imediata e truculenta. Isto tem sérias repercussões no sistema de justiça.

Mas se a Constituição Federal subordinou as polícias à autoridade dos governadores, era de se esperar que, no mínimo, eles fizessem o papel representativo de comando. No entanto, a polícia goiana não apenas quer mandar na sociedade como também quer comandar o governador. E este, de bom grado, obedece. Com a assinatura do Decreto nº 10.073, de 25-04-2022, o governador Ronaldo Caiado alterou o art. 11 do Decreto nº 5.642 de 19/08/2022, editado pelo então Governador Marconi Perillo, que tinha o professor Jônathas Silva como seu secretário de Segurança Pública e Justiça. Tal decreto representava um ato de afirmação do poder do governador do Estado frente à força dos agentes da segurança pública.

Com o novo Decreto, o atual governador abre mão de dar a última palavra às crises de natureza policial, advindas do sistema de segurança pública do Estado. Com a alteração, nem mesmo o secretário de Segurança Pública será consultado. As situações de maior gravidade na área da segurança pública serão decididas pelo “Comandante da Cena de Ação”.

Com isso, o governador, que não comanda, deixa de parecer que comanda a segurança pública em Goiás.

Bartira Macedo de Miranda é professora do Mestrado em Direito e Políticas Públicas da UFG,   presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB-GO, conselheira nacional da Anacrim, associada da Abracrim, IBCCRIM, IAB e IBADPP.