Corte Comercial: como o STJ virou estrategista de negócios

Renata Abalém

*Renata Abalém

Para além do rolzinho da ANS, a famosa decisão do STJ descortinou um raro tino comercial da Corte Constitucional. Com a premissa de que o Judiciário não pode intervir nas questões regulatórias pertinentes à ANS, e que, portanto, não teria como tratar como exemplificativo algo que é taxativo, acabou por criar dois excelentes produtos para serem comercializados pelas operadoras de planos de saúde e seguros saúde.

Os Ministros entenderam, talvez no afã de minorar o absurdo da decisão e a consternação de quem paga saúde suplementar e dela precisa, que o consumidor pode contratar uma “cobertura ampliada”, ou até uma “cobertura extra rol”, – serviços que até então não constavam em nenhum portfólio das operadoras de saúde no Brasil, até o dia oito próximo passado, dia do julgamento do tema.

Imagino a festa que estão fazendo as empresas… não só deixarão de custear procedimentos, eventos ou medicamentos que estritamente não estejam elencados no rol da ANS, como também vão faturar com uma prestação de serviços que antes não vendiam. Isso é que é decisão.

Mas o que isso significa mesmo?

Significa uma saída para você que precisa de um tratamento ou medicamento que não esteja na lista da ANS. E para você que ainda não precisa, mas tem medo de precisar.

Uma saída que vai fazer com que gastemos mais, é verdade, mas ainda sim, uma saída.

Veja meu caso: sou mãe de três filhos jovens e absolutamente saudáveis, mas se eu recebesse uma proposta da minha operadora oferecendo uma cobertura extra rol, mesmo que eu não precise, e nem meus filhos, eu iria contratar esse plus. É o medo de ficar sem atendimento. É o medo de ir para o SUS. Acho que também é o medo de ser brasileiro.

O difícil será precificar esses novos serviços. Por baixo, aposto em um aditivo que importe em um acréscimo de R$ 50,00 (cinqüenta reais) mensais para cada beneficiário até 25 anos que não apresente doença congênita alguma. Para os mais velhos, ou os que já sofrem de qualquer mal, o céu é o limite.

Mas, significa muito mais.

Pode a Corte incitar o consumo? Pode o STJ “criar” uma solução com custo extra para quem foi prejudicado pela sua própria deliberação? Se imiscuir em questões de direito consumerista da maneira como o fez? Criar estratégias comerciais? Idealizar uma fonte de geração de renda para uma parte processual?

Eu tenho pensado sobre isso. Talvez não tenhamos ainda alcançado na plenitude, o entendimento sobre os efeitos do julgamento do rol da ANS, talvez não tenha caído sobre nós o problema dos quase oito milhões de brasileiros que serão prejudicados com a decisão e que correrão para o SUS e evidentemente para o judiciário buscando o seu direito constitucional à saúde. Mas isso é porque nós somos só cidadãos e isso não significa quase nada.

*Renata Abalém é diretora Jurídica do IDC (Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte).