A gravidade da exigência de apresentação de CND para homologação do plano de recuperação judicial

*Gabriela Esposito da Silva Ribeiro

O processo de recuperação judicial tem por finalidade o soerguimento de empresas em dificuldade financeira, que preencham os requisitos previstos na Lei 11.101/05, que trata o tema.

A mencionada lei, delimita os créditos que se sujeitam ou não ao processo de recuperação judicial, merecendo destaque o crédito tributário, que não faz parte do concurso de credores, sendo, portanto, extraconcursal.

Há muito se discute uma solução para o passivo fiscal das empresas em recuperação judicial, em sua maioria, de quantia estratosférica, considerando que não podem ser pagos nos termos do plano, e em caso de ajuizamento de execução fiscal para recebimento dos valores, qualquer tipo de constrição em face do patrimônio da empresa em recuperação judicial deve passar pelo crivo do juízo recuperacional, o que engessa o credor fazendário e dificulta o recebimento do crédito.

A Lei 11.101/05 prevê, em seu artigo 57, que, após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido prazo para manifestação dos credores sobre o plano apresentado, sem objeção, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários. Ainda, em seu artigo 58, prevê que o juiz concederá a recuperação judicial ao devedor cujo plano tenha sido aprovado pelo quórum legal, ou que não tenha sido objetado pelos credores, desde que cumpridas as exigências da lei.

Temos, pela junção de interpretação dos dispositivos, que para homologação do plano de recuperação judicial é necessário que o devedor apresente a certidão negativa de débitos tributários.

Todavia, essa exigência era mitigada, até mesmo para evitar prejuízo aos credores, que poderiam deixar de receber ou ter o recebimento de seu crédito retardado em razão da necessidade de aguardarem a resolução do passivo fiscal da empresa recuperanda, sendo possível homologar o plano de recuperação judicial sem apresentação da certidão negativa de débito tributário, ou com concessão de prazo para regularização desse passivo fiscal, sem atrelar uma medida à outra.

Cenário que se modificou com a Lei 14.112/2020, que alterou a Lei 11.101/05, que, em que pese tenha mantido o crédito tributário fora do concurso de credores, deu à Fazenda maior autonomia e poderes, inclusive, para pedir falência da empresa em caso de descumprimento do parcelamento dos tributos.

A recente jurisprudência é firme quanto à impossibilidade de continuar aplicando a dispensa de certidão negativa de débito tributário às empresas recuperandas, sob a justificativa de que eventual esvaziamento patrimonial pode prejudicar o Fisco, cabendo ao juiz o estrito cumprimento do disposto legal, exceto quando a assembleia geral de credores se deu antes da vigência da Lei 14.112/2020, como forma de segurança jurídica pelo Princípio Tempus Regit Actum, ou seja, o tempo rege o ato, devendo ser seguido o entendimento da época da aprovação do plano.

Ocorre que essa posição gravosa se contrapõe ao próprio instituto da recuperação judicial e ao princípio basilar da preservação da atividade empresária, já que é contraproducente dar à empresa em dificuldade um meio de se reerguer e ao mesmo tempo imputar-lhe empecilho para tanto.

Se tratando de credor extraconcursal, não se justifica ter benefício próprio com a exigência de pagamento ou adesão à parcelamento fiscal sob pena de inviabilizar todo o processo recuperacional, bem como o pagamento de todos os demais credores.

Vele destacar, inclusive, que a forçosa adesão à parcelamentos fiscais impede a empresa em recuperação judicial de exercer seu direito de contestar eventuais valores incorretos, pois aderir a qualquer parcelamento anula, de forma automática, qualquer discussão judicial de valores na esfera tributária, onerando a empresa que poderia reduzir eventual cobrança indevida ou majorada.

Esse meio coercitivo para cobrança do débito tributário não se comunica com o processo de recuperação judicial, pois não se pode utilizar a fragilidade da empresa no momento de crise, bem como a pressão para que a empresa mantenha seu funcionamento, empregados, e fomento ao mercado, para forçá-la a uma resolução impensada e fora da sua possibilidade financeira que poderá colocar em risco a própria Fazenda Pública, já que, em caso de eventual falência da empresa em recuperação judicial, o crédito tributário também não será privilegiado, tornando inócua essa exigência para pagamento de alguma forma.

Portanto, mais do que a aplicação da lei no tempo, a mitigação do artigo 57 da Lei 11.101/05 deve se dar por incompatibilidade com o instituto da recuperação judicial, independentemente de a assembleia geral de credores ter se dado pós vigência da Lei 14.112/2020, já que, do contrário, todas as recuperações posteriores estariam prejudicadas e oneradas com exigência descabida, que de modo algum significa segurança para a Fazenda Pública, tampouco demonstra se a empresa tem ou não possibilidade de se soerguer (considerando que, como já exposto, o passivo tributário das empresas ultrapassa, e muito, o valor total sujeito a recuperação judicial), e a impossibilidade de resolução de um débito (tributário), não pode ser impeditivo para resolução de todos os demais débitos, principalmente, dos credores trabalhistas.

Repensar é palavra de ordem para que, com sensatez e aplicação dos preceitos basilares da recuperação judicial, se possibilite que a empresa recuperanda, que cumpriu todas as demais exigências da lei, inclusive com plano aprovado pelos credores (que são os destinatários da recuperação judicial) ou que não tenha sofrido objeções ao plano de pagamento apresentado, possa ter sua recuperação judicial concedida, com a mitigação da exigência de apresentação de certidão negativa de débito tributário, sem atrelar uma à outra, ou mais, sem impedir o prosseguimento de uma por falta de apresentação da outra.

*Gabriela Esposito da Silva Ribeiro é advogada na DASA Advogados.