As recentes reformulações tributárias como um meio de simplificação das obrigações acessórias

Igor Antonio Lima de Oliveira*

No Brasil, as obrigações acessórias tributárias representam uma complexa rede de exigências burocráticas que as empresas devem cumprir para assegurarem sua conformidade fiscal. Este artigo examina tanto o cenário atual dessas obrigações quanto as mudanças resultantes da Emenda Constitucional 132/2023, que promoveu a Reforma Tributária no país e, também, a edição da Lei Complementar nº 199/2023, que institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias.

Em síntese, as obrigações acessórias são procedimentos administrativos que as empresas devem executar para garantir a transparência e a correta apuração dos tributos devidos ao Erário. Essas obrigações não envolvem o pagamento direto de impostos, mas são essenciais para validar o cumprimento das obrigações principais, que são os pagamentos propriamente ditos.

Exemplificando, as obrigações acessórias incluem a emissão de notas fiscais eletrônicas, a escrituração digital de livros fiscais, a entrega de declarações como a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), entre outras.

A complexidade dessas obrigações pode variar consideravelmente dependendo de vários fatores, como o regime tributário da empresa (Simples Nacional, Lucro Presumido, ou Lucro Real), o tipo de operação realizada, a localidade da empresa, entre outros. Por exemplo, uma empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional tem obrigações acessórias menos complexas em comparação com uma grande corporação no regime de Lucro Real, que precisa lidar com uma variedade muito maior de registros e relatórios detalhados.

Ainda mais, a diversidade nas legislações da União, Estados, DF e Municípios intensificam o contexto das obrigações, visto que para cada imposto será necessário o cumprimento de determinadas obrigações acessórias. Nesse sentido, considerando que existem mais de 5.000 legislações municipais, que por sua vez regulamentam a forma como o contribuinte verificará se existe o fato gerador naquela operação, calculará o imposto e irá realizar o pagamento.

No âmbito dos Estados e Distrito Federal, temos 27 legislações distintas, que por sua vez regulamentam o adimplemento dos impostos de suas competências, de maneira que há especificidade de cálculo, declaração ou homologação do imposto e cumprimento de obrigações específicas em cada Estado.

Esta fragmentação e diversidade de legislações específicas resultam em uma enorme carga administrativa para as empresas, que precisam adaptar-se a múltiplos sistemas de arrecadação e relatórios fiscais.

Além da complexidade associada ao cumprimento das obrigações, é importante levar em conta os elevados custos financeiros envolvidos nesse processo. Esses custos abrangem os salários dos funcionários, os gastos diretos com a obrigação acessória, a adoção de softwares, a contratação de serviços de consultoria e, em determinadas situações, a terceirização de serviços.

Nesse cenário de necessidade de simplificação das obrigações acessórias, foi publicada a Lei Complementar nº 199/2023, que visa iniciar o processo de simplificação das obrigações acessórias no Brasil, de modo a diminuir os custos e tempo para o cumprimento dessas.

Essa Lei Complementar oferece um caminho para implementar as mudanças propostas pela reforma. Esta lei estabelece diretrizes específicas para:

  • Unificação de Documentos Fiscais: Propõe a criação de um sistema unificado de emissão de documentos fiscais eletrônicos para todo o país, o que pode reduzir redundâncias e simplificar as operações interestaduais e intermunicipais.
  • Harmonização de Legislações: Busca padronizar as legislações sobre obrigações acessórias em todos os Estados, DF e Municípios, eliminando discrepâncias que atualmente complicam a conformidade tributária.
  • Facilitação dos Meios de Pagamento e Arrecadação: A lei sugere a integração de sistemas de arrecadação e a simplificação dos processos de pagamento de tributos, o que deverá agilizar procedimentos e diminuir erros administrativos.
  • Unificação dos Cadastros Fiscais: Encaminha para a criação de um cadastro fiscal unificado que seria compartilhado entre os entes federativos, aumentando a eficiência e a precisão da fiscalização tributária.

No mesmo viés de simplificação, a Reforma Tributária Brasileira, instituída pela Emenda Constitucional 132/2023, foi editada visando, nos termos do entendimento dos legisladores, a simplificação tributária em diversos pontos que, hoje, apresentam extrema complexidade, como o caso das obrigações acessórias.

O texto aprovado incluiu à Constituição o Princípio da Simplicidade, disposto no artigo 145, § 3º. A adoção deste princípio ao texto constitucional visa garantir que a legislação tributária e as obrigações fiscais sejam cumpridas e fiscalizadas de forma simplificada.

De mesmo sentido se faz sua aplicação quanto às obrigações acessórias, pois a ideia central que nos é remetida é a de que para cada obrigação acessória nova que for implementada, deve-se verificar a complexidade ou simplicidade dela na cadeia.

Ato contínuo, o texto aprovado trouxe a unificação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), para criar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e, a substituição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), constituindo o IVA Dual brasileiro. Além disso, criou-se o Imposto Seletivo (IS).

Embora a reforma ofereça um quadro geral para a simplificação, muitos detalhes ainda dependem da regulamentação por meio de Leis Complementares, as quais seguem em processo de formulação e, posteriormente, promulgação. Estas leis são esperadas para, dentre outros fatores, criar mecanismos unificados para o cumprimento das obrigações acessórias, diferentemente do sistema atual com suas múltiplas exigências baseadas em regramentos tributários distintos.

Da necessidade de regulamentar o texto constitucional aprovado, foram estabelecidos Grupos Técnicos (GTs) com o objetivo de detalhar e orientar a implementação da nova estrutura proposta. A ideia inicial de formulação desses grupos visa constituir uma resposta direta às necessidades dos diversos setores da sociedade, permitindo que suas preocupações e desafios sejam comunicados efetivamente aos legisladores.

Ao todo foram instituídos 19 grupos técnicos que abordam temas diversos, como a política de cashback, a cesta básica nacional, o Imposto Seletivo, contencioso administrativo do IBS e da CBS, o modelo operacional de administração do IBS e da CBS e o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços.

Adicionalmente, foram formulados os GTs Paralelos, criados por setores que se sentiram excluídos das discussões oficiais. Esses grupos alternativos, que utilizam as estruturas da Câmara dos Deputados para suas reuniões, têm sido um espaço para que vozes adicionais possam influenciar o debate sobre a reforma tributária.

Fato que as alterações propostas pela Emenda Constitucional 132/2023 e pela Lei Complementar nº 199/2023 têm o potencial de transformar profundamente o sistema tributário brasileiro, tornando-o mais simples e menos oneroso para as empresas. Embora o caminho à frente contenha desafios significativos, a promessa de uma estrutura tributária mais racionalizada e eficiente pode resultar em um ambiente de negócios com uma estrutura simplificada e atraente para investimentos tanto nacionais quanto internacionais.

Portanto, diante da edição da referida lei complementar, da reformulação tributária, da formação dos GTs oficiais e extraoficiais – que por sua vez podemos definir como a “voz” da população e empresariado – o cenário se desenha no sentido de estarmos em um momento extremamente favorável para consolidar uma política de simplificação tributária, talvez como nunca estivemos, pois inúmeras reformas foram propostas ao longo dos últimos 50 anos e só agora ultrapassamos este ponto, seja a reforma aprovada favorável ou não aos diversos cenários tributários e diferentes atuações empresariais.

*Igor Antonio Lima de Oliveira é graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD). Estagiário na área tributária do escritório Rodovalho Advogados.