522 anos de Brasil eleitoral

*Danúbio Remy

Para se falar sobre o Direito Eleitoral Brasileiro se faz necessário, fundamentalmente, identificar em cada fase da história de nosso país, o tratamento dado pelas Cartas Magnas da época e pelas leis infraconstitucionais aos direitos eleitorais e políticos, pois só dessa forma se consegue entender o Direito Eleitoral hodierno.

Quando da época do descobrimento, nos idos dos anos de 1500, por óbvio, não havia eleições. Mesmo assim, para que houvesse algum tipo de representação do poder foram instituídos cargos políticos como os de Governador Geral e Ouvidor Geral, esses cargos foram ocupados por pessoas escolhidas pelo Rei de Portugal.

A história também registra eleições para as Câmaras Municipais, mas a capacidade eleitoral ativa era limitada apenas a poucos que preenchiam os requisitos de acordo com as Ordenações Afonsinas e Filipinas.

Assim, as primeiras normas eleitorais brasileiras que se tem notícias foram estabelecidas no período colonial pelas chamadas Ordenações do Reino, em 1603.

Inspirada no constitucionalismo inglês e já com a proclamação da independência em vigor, em 1822,  temos o que chamamos de Período Imperial da história brasileira que fora marcada pela primeira Constituição brasileira, outorgada por D. Pedro I.

O modelo de cidadania adotado pela Constituição estabelecia algumas regras para as eleições – artigos 6º ao 8º e 40, 90 a 97. Esses artigos dispunham, basicamente, acerca das eleições para os cargos políticos, estabelecendo o voto indireto. Também falava sobre o sufrágio que era restrito, e sobre o voto censitário (aquele que dependia de certas condições econômicas). Para candidatar-se, naquela época, era necessário ter renda anual superior a oitocentos mil réis.

Outra lei importante a época foi a Lei 3029, de 09 de janeiro de 1881 – “Lei Saraiva”, foi um marco, pois estabeleceu o exercício de voto ao analfabeto pela primeira vez na história do Brasil. Infelizmente, esse direito não foi reconhecido pela constituição republicana, sendo incorporado ao ordenamento na vigência da Emenda 69 à Constituição de 1967.

A Carta Magna republicana fora datada de 1891 e estabeleceu com ela o sufrágio direto e a garantia da vitória eleitoral por maioria absoluta de votos obtidos aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República. Nessa época foram estabelecidas as primeiras regras de causas de inelegibilidade.

O período conhecido como Pós Revolução de 1930, inaugura uma importante fase no Direito Eleitoral brasileiro.  Nele surge o primeiro Código Eleitoral  que foi instituído por meio do Decreto 21.076/32, que estabeleceu eleições diretas e o voto feminino. Getúlio Vargas foi eleito presidente do Brasil na vigência destas normas.

Com o advento da Constituição de 1934 criou-se a Justiça Eleitoral e instituiu-se novas regras de inelegibilidade, alistamento eleitoral e processo eleitoral.

Foi uma constituição marcada pelo reconhecimento dos direitos sociais, o que conferiu grande importância às agremiações partidárias.

Outorgada por Getúlio Vargas a Constituição de 1937 – Constituição do Estado Novo – dentre outras previsões de caráter político-eleitoral, as que mais se destacaram foram a extinção da Justiça Eleitoral e o estabelecimento de novas regras sobre direitos políticos incluindo mudanças sobre candidatura e inelegibilidades. O período foi marcado por uma ditadura varguista, que vedou ao Poder Judiciário conhecer questões políticas.

Logo após, com a busca por uma abertura político-democrática no Brasil na Constituição de 1946 foi dada à União a competência para legislar sobre Direito Eleitoral, além da criação de várias novas normas constitucionais de caráter eleitoral. O que se pode destacar é que o sufrágio voltou a ser direto e foi restabelecida e estruturada a Justiça Eleitoral.

As Constituições de 1967 e 1969 não trouxeram as grandes inovações em matéria eleitoral, salvo no que se refere aos partidos políticos, já que a preocupação maior era a de manter os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito público, para que assim o Estado tivesse controle total sobre eles.

Outro feito do regime militar foi o de extinguir o pluripartidarismo, que só foi restabelecido no governo do Presidente João Figueiredo. Havia apenas dois partidos políticos nesta época: ARENA e MDB.

O retorno ao pluripartidarismo no final da década de 1970 abriu caminho para o movimento das Diretas Já, facilitando a criação da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição de 1988, conhecida como Constituição cidadã.

A Constituição atual instituiu o regime democrático, o sufrágio universal e o voto direto, o pluripartidarismo como princípios fundamentais, conferindo status de cláusula pétrea. As normas de caráter político-eleitoral encontram-se no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), especificamente nos artigos 14 ao 17, no inciso I do art. 22, que trata da competência legislativa sobre o tema. Os artigos 92 e 118 ao 121 tratam da organização e do funcionamento da Justiça Eleitoral; e ainda, há certos preceitos transitórios previstos no ADCT (arts. 2º, 4º e 5º), dentre outras previsões.

O regime democrático, em sua versão SÉCULO XXI, trouxe debates profundos quanto a tutela ao sistema de liberdade, principalmente quanto aos critérios “expressão” e “desinformação”, além de forçar, com elementos previstos em lei, os institutos de igualdade e isonomia com a participação feminina na política e o critério de raça/cor com tratamento isonômico nas eleições.

São avanços regidos pela legislação e Justiça Eleitoral ocasionados pela necessidade de diminuir as desigualdades políticas, que acabam por refletir na desigualdade social. O Brasil de fato, nos 200 anos de independência e 90 da Justiça Eleitoral, avançou em legislação e pacto social, mas requer avanço eleitoral na diminuição das desigualdades político-eleitoral e ao reconhecimento das instituições quanto órgãos essenciais à democracia.

*Danúbio Cardoso Remy Romano Frauzino é advogado, mestre em Direito e especialista em Direito Público e Eleitoral.