TRT-GO reforma decisão para afastar vínculo empregatício entre dentista e ex-mulher, contratada como secretária

A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (Goiás) reformou sentença que condenava um dentista a pagar verbas trabalhistas para a ex-esposa. A relatora do processo, desembargadora Iara Teixeira Rios entendeu que apesar do profissional ter assinado a carteira de trabalho da mulher durante todo o período em que durou o casamento dos dois “a prestação de serviço da autora não tinha a mesma intensidade de uma típica relação empregatícia”.

Consta do processo, que o dentista tem consultório na cidade de Nerópolis (GO). Após sete anos de casamento (de  2013 a 2020), separou-se da mulher e foi processado por ela. A mulher pedia verbas trabalhistas com base no fato dele ter assinado sua carteira de trabalho como secretária. Ela cobrava mais de R$ 30 mil em direitos trabalhistas. Como prova, ela apresentou sua CTPS e alguns contracheques assinados pelo ex-marido.

O advogado Jorge Henrique Elias, do escritório Elias & Pfrimer Sociedade de Advogados, ao defender o dentista, reconheceu que a assinatura na carteira era do cliente, mas que isso foi feito “unicamente para compor renda familiar para a aprovação de financiamento para aquisição de uma casa para o casal” que, inclusive, segundo a defesa “foi feito só no nome dela”.

Em primeiro grau

Em primeiro instância, o dentista apresentou duas testemunhas e a mulher nenhuma, confiando apenas na assinatura da CTPS. Ao julgar o caso, juíza do trabalho Maria Augusta Gomes Luduvice entendeu que, pelo fato de o dentista ter assinado a Carteira da ex-esposa, era dele o dever de provar que aquela anotação não era verdadeira, já que a assinatura do documento gera presunção da existência de contrato de trabalho, “a teor da Súmula 12 do TST”.

A magistrada entendeu ainda que as testemunhas, ao afirmaram nunca ter visto a reclamante trabalhando no consultório, tinham “clara intenção de auxiliarem o réu”, descartando-as, tal qual o fez com as provas documentais apresentadas pelo dentista. Ele foi condenado a inúmeras obrigações trabalhistas e previdenciárias, além do pagamento de multa por ter entrado com embargos considerados protelatórios pela juíza.

Recurso no TRT-GO

Inconformado com a condenação, o dentista recorreu ao TRT de Goiás, que reformou a sentença por entender que o depoimento da ex-esposa foi contraditório e que “a prestação de serviço da autora não tinha a mesma intensidade de uma típica relação empregatícia”.

Ao analisar o recurso, a relatora esclareceu que “para a configuração da relação de emprego, há mais relevo os elementos fático-jurídicos (pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação – arts. 2º e 3º da CLT) do que jurídico-formais, tendo em vista o princípio da primazia da realidade”.

Ônus da Prova

Ao contestar a sentença, Jorge Henrique, advogado do dentista, demonstrou que a jurisprudência do próprio TRT Goiano é no sentido de que não se pode presumir a existência de vínculo empregatício entre marido e mulher. Foi mencionado voto do desembargador Mário Bottazzo, no sentido de que a relação de emprego entre ex-cônjuges “apesar de não ser impossível, é, no mínimo, improvável”.

Além da divergência com a jurisprudência da corte goiana, sustentou, ainda, que enquanto a ex-esposa confortavelmente se amparava apenas na assinatura da Carteira de Trabalho, o dentista trouxe inúmeras outras provas que, nos alegados horários de trabalho, a autora ora estava estudando, ora passeando.

Doutro lado, a defesa da ex-esposa insistia na tese de que “o vínculo já estaria provado através da CTPS da reclamante” e que o dentista “não foi capaz de produzir provas suficientes” para comprovar suas alegações, sendo que suas testemunhas “foram orientadas a mentir em juízo”.

Além de determinar o cancelamento da assinatura em Carteira, o Tribunal excluiu também a multa por embargos protelatórios, reconhecendo que o pedido contraposto não foi explicitamente julgado na sentença de primeiro grau. “Se houve prestação de serviços pela obreira, esta se reverteu também em seu favor, pois a renda adquirida pelo reclamado era revertida não só para o sustento e pagamento das dívidas do casal, como para quitação das despesas pessoais da reclamante (faculdades e cursos técnicos)”, completou a relatora.  

Processo: RORSum 0010550-40.2021.5.18.0051