Tribunal Regional do Trabalho afasta vínculo de emprego entre entregador e iFood

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Por ausência de subordinação, não há vínculo de emprego entre motoqueiro-entregador e agência de restaurantes on-line. Esse foi o entendimento da Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-18) ao julgar improcedente um recurso ordinário de um trabalhador que pretendia o reconhecimento de vínculo de emprego com o iFood. A decisão, unânime, acompanhou o voto do relator, desembargador Geraldo Rodrigues.

O motoqueiro alegou que trabalhou para o iFood e para uma agência de restaurantes on-line, entre agosto de 2018 a agosto de 2019, na função de entregador. Ele conta que fazia entregas para a empresa e recebia as ordens de serviço do iFood, sendo remunerado pelas duas. Por isso, pediu o reconhecimento de vínculo de emprego com a empresa de entrega expressa, e a responsabilidade subsidiária da agência. Sucessivamente, pleiteou vínculo com esta última.

A agência negou o vínculo, alegando que o motociclista usava a plataforma virtual por ela fornecida, por meio da empresa de entrega expressa, o que não implicaria relação de prestação de serviços. Já a empresa de entrega explicou que o trabalhador se filiou para prestar serviços como autônomo, e que podia aceitar ou não os pedidos. Sustentou que ele tinha liberdade para determinar o momento em que prestava os serviços, gerenciando o horário de trabalho da forma que melhor lhe conviesse.

O Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Goiânia, após analisar as provas, não reconheceu a existência de vínculo empregatício entre as partes e julgou improcedente a ação.

Inconformado, o entregador recorreu ao TRT-18 para obter o reconhecimento da relação trabalhista. Ele insistiu no preenchimento dos requisitos legais do vínculo empregatício, pois trabalhava diariamente, mediante subordinação, cumprindo horário, recebendo ordens e percebendo remuneração das empresas.

Voto

O relator, desembargador Geraldo Rodrigues, explicou que o vínculo de emprego acontece toda vez que estiverem presentes a pessoalidade, a subordinação, a onerosidade e a não eventualidade. No caso, prosseguiu o relator, há nos autos trecho do depoimento do trabalhador em que ele afirma prestar serviços com liberdade de atuação, podendo recusar-se a atuar e não cumprir escalas quando não lhe conviesse, sem receber penalidade em caso de ociosidade.

O relator considerou as provas documentais existentes nos autos que demonstram que o motociclista prestou serviços como entregador autônomo. “Os prints das conversas pelo aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp demonstram que o trabalhador dispensava escalas e turnos por motivos de interesses particulares, revelando ausência de subordinação jurídica e a administração da sua própria força de trabalho”, afirmou.

O desembargador pontuou que as novas tecnologias da informação e comunicação proporcionaram novas formas de trabalho, caracterizadas pela liquidez das relações, que desafiam a capacidade da regulação estatal. “Nesse contexto, ganham destaque as relações de trabalho inseridas na chamada Gig Economy, que possuem uma nova feição, com intermediação entre o trabalhador e o consumidor final feita à distância por empresas via meios telemáticos, sem maiores contatos entre estas e os trabalhadores”, asseverou.

Ele explicou que a Gig Economy envolve duas principais formas de trabalho. A primeira é o crowdwork, em que há oferta e demanda de produtos e serviços específicos para o atendimento de necessidades de clientes, que pagam pela execução das tarefas realizadas. Já a segunda forma é o trabalho “on-demand via app”, que trata da execução de trabalhos tradicionais, como transporte e entrega de mercadorias, demandados em aplicativos gerenciados por empresas de tecnologia. “Aqui, ocorre o oferecimento dos serviços via aplicativos, os quais estabelecem e garantem um determinado padrão de qualidade, assim como selecionam e gerenciam a mão de obra”, afirmou.

Geraldo Rodrigues mencionou que a Gig Economy pode vir a ameaçar direitos fundamentais dos trabalhadores, previstos inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ele disse que já há uma tendência mundial de regulação desses novos modelos de contratos de trabalho e citou como exemplo a Inglaterra, em que o Employment Rights Act distingue workers de employees e estabelece direitos básicos àqueles, como salário mínimo e férias.

Todavia, o desembargador explicou que as leis trabalhistas brasileiras ainda não abordaram o tema, exigindo a CLT a satisfação dos requisitos fático-jurídicos para reconhecimento do vínculo de emprego, principalmente a subordinação jurídica. Geraldo Rodrigues considerou que o entregador não se subordinava à agência de restaurantes, pois cumpria ordens da empresa de entregas, ficava a sua disposição e era remunerado por ela. Além disso, destacou o relator, tanto no depoimento quanto nas provas documentais, ficou demonstrado que o trabalhador prestava serviços com autonomia para definir o próprio horário de trabalho, sem que houvesse penalidade em caso de não comparecimento. Por fim, Geraldo Rodrigues não reconheceu o vínculo empregatício entre o entregador e a agência de restaurantes,negando provimento ao recurso.

Processo: 0011579-13.2019.5.18.0014