Está previsto para a próxima quarta-feira, dia 14, no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento do Mandado de Injunção Coletivo (MI n° 4733), que pede a “criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente das ofensas, dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima”, em face da omissão do Congresso Nacional em editar a legislação pertinente.
A impetrante, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT, aduz que a criminalização de todas as formas de racismo, expressa no artigo 5º, XLII, da Constituição da República, incluiria as condutas de discriminação de cunho homofóbico e transfóbico, pois seriam espécies do gênero racismo.
O objetivo do MI, conforme esclarece o advogado da impetrante, Paulo Iotti, é que o STF declare a obrigação constitucional do Congresso Nacional em criminalizar, de forma específica, a homofobia e a transfobia, bem como afirmar que ambas as práticas se enquadram no crime de racismo (artigo 20 da Lei 7716/89).
O advogado comenta que o STF já manifestou que a discriminação contra judeus, denominada antissemitismo, é crime de discriminação “por raça”, por entender racismo como qualquer ideologia ou conduta que pregue a inferioridade de um grupo social relativamente a outro. Paulo Iotti esclarece: “O Projeto Genoma acabou de vez com a crença de que a humanidade é formada por raças biológicas distintas entre si, de sorte que para não virar ‘um crime possível’, pela unicidade biológica da raça humana, o racismo tem que ser entendido como um conceito político-sociológico (como de fato é). Um de nossos mais famosos criminalistas, Guilherme de Souza Nucci, diz que se esse é o conceito de racismo (e acredito que é), então a discriminação contra homossexuais também é racismo”.
O advogado explica que não se trata de uma analogia. “Sendo raça um conceito político-sociológico, então homofobia e transfobia são crimes de racismo. Se racismo é a interiorização de um grupo social relativamente a outro, como o STF já afirmou (no HC 82.424/RS), então homotransfobia é o crime de discriminação por raça. Não há analogia (in malam partem), portanto”, salienta.
Paulo Iotti acrescenta que a ABGLT também pleiteia, contra o Estado, que se reconheça o direito de indenização às vítimas de homotransfobia, enquanto esta não for criminalizada de forma específica.
Em caso de indeferimento do pleito, o advogado Paulo Iotti afirma que a entidade passará a apoiar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 26), na qual o Partido Popular Socialista (PPS) pede que o STF declare a omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos de homofobia. “Se perdermos em ambas, entendo que caberá denúncia do Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pelo direito humano à proteção eficiente decorrente do direito humano à segurança pública. E a Comissão e a OEA já conclamaram os países latino-americanos diversas vezes, por resoluções, a coibir a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero. Então, se perdermos definitivamente no STF, a alternativa será denunciar o Brasil na Comissão Interamericana. Foi o caminho que levou à criação da Lei Maria da Penha, após condenação da Corte Interamericana”, diz.
IBDFAM apoiará como amicus curiae
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) foi admitido pelo STF neste julgamento, na condição de amicus curiae. O IBDFAM encaminhou pedido para atuar neste importante julgamento, com objetivo de contribuir com o deslinde da causa. “Desde a sua fundação, vem trabalhando para transformar o pensamento e construir um Direito das Famílias mais humano e humanizador, condizente com a realidade da vida, sobretudo em defesa da homoafetividade, expressão cunhada pela vice-presidente Maria Berenice Dias. Possui uma Comissão Nacional de Direito Homoafetivo e Gênero podendo apresentar relevantes fundamentos para o deslinde do feito. Além disso, possui ramificações e comissões de Direito Homoafetivo e Gênero espalhadas por todo o Brasil”, diz um trecho da petição enviada ao STF.
No despacho em que admite o IBDFAM como amicus curiae, o ministro relator, Edson Fachin, diz que “não se pode ignorar que o presente caso diretamente toca a questão da violência física e simbólica a que, diuturnamente, se encontra submetida em nosso país a população LGBT’.
O ministro expõe: “A aversão exagerada ao Outro, quer esta se dê em razão de sua orientação sexual ou da manifestação de sua identidade de gênero, não raro deságua em sua negação e, no extremo, em tentativas, por vezes tristemente bem sucedidas, de sua aniquilação existencial, impedindo-se de se ser quem se é. Constitui, a não mais poder, um modo de agir vocacionado a arrebatar do outro a sua inerente dignidade. Nessa dimensão, manifesta-se contrário à dignidade da pessoa humana enquanto fundamento maior de nossa República. E vai na contramão do objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CRFB)”.
Segundo ele, o IBDFAM “para além de sua notoriedade, demonstra possuir a necessária representatividade temática material e espacial, mostrando-se legítima sua intervenção na condição de amicus curiae em virtude da possibilidade de contribuir de forma relevante, direta e imediata no tema em pauta”. O IBDFAM protocolou, em 6 de novembro, os Memoriais e deverá proferir sustentação oral quando do julgamento. (IBDFAM)