O colega Paulo Sergio João é quem assina o texto da coluna desta segunda-feira (19), na qual discorre sobre o Direito do Trabalho, que ele considera ainda inacabado. Ele é advogado, professor da PUC-SP e autor do livro “Dez anos de reflexões trabalhistas.
Leia íntegra do texto:
O Direito do Trabalho é um direito inacabado por sua própria natureza e acostumado a lidar com a imprevisibilidade. De todos os ramos do direito, talvez o laboral seja o que mais demanda sua reinvenção, sua adequação e adaptação às necessidades que são fruto das alterações sociais produzidas, seja pelas crises que nos surpreendem, seja pelas transformações técnicas, ou ainda pelas alterações no modelo de comportamento social com novas formas de contratação por meio de pessoa jurídica, de prestação de serviços à distância, trabalho prestado por meio de aplicativo, apenas para citar algumas situações, demonstrando que a atuação na preservação da espinha dorsal, formadora do direito do trabalho, está cada dia mais difícil.
O Direito do Trabalho nasceu para controlar a crise gerada pelo desenvolvimento de indústrias e seus efeitos nas vidas humanas, seguindo até hoje na missão de se ajustar às condições sociais. Mais recentemente, enfrentamos a pandemia, situação inusitada para o mundo inteiro e, ainda assim, sobrevivemos de modo criativo e transformador, preservando o novo normal com naturalidade.
Talvez, este momento seja o mais desafiador e jamais enfrentado desde as primeiras medidas de proteção no campo das relações trabalhistas.
De fato, no início da formação do Direito do Trabalho, dado que o direito civil se mostrava incapaz de equilibrar a desigualdade econômica das partes, as primeiras normas de proteção destinavam-se a criar limites na exploração das pessoas. Construiu-se um arcabouço legislativo, desorganizado no primeiro momento, de proteção do trabalho submetido à prestação de serviços à qual viria a se denominar, mais adiante, vínculo de emprego, com todas as características a que foi submetido o trabalho humano.
A Organização Internacional do Trabalho, criada no final da 1ª Guerra Mundial, no Tratado de Versalhes, igualmente preocupada com a ampliação e respeito aos direitos em nível internacional e na busca de equilíbrio de tratamento de direitos trabalhistas entre os países. Estabeleceram-se garantias mínimas em todos os campos das relações de trabalho. Assim, no âmbito individual os direitos básicos como salário-mínimo, jornada de trabalho, férias, trabalho do menor e da mulher, assistência médica, generalização dos seguros sociais, para atingir a seguridade social, com amparo do trabalhador na incapacidade laboral por doença ou na velhice. Já, no plano coletivo, o reconhecimento do sindicato como portador da vontade dos representados não foi aceito com tranquilidade e até hoje se discute, observadas certas diferenças, o direito à liberdade sindical ou mesmo a legitimidade de o sindicato interferir na manifestação individual dos trabalhadores.
Todavia, a sociedade evoluiu em costumes, em tecnologia com a internet, com a robótica e, também, no comportamento social, criando padrão de convivência diverso daquele das gerações anteriores. Ser empregado, com reconhecimento de direitos trabalhistas, talvez não seja o desejo de grande parte dos jovens que procuram trabalho.
Percebe-se, com todas as transformações tecnológicas ocorridas, forte influência no conteúdo das relações trabalhistas. O smartphone se transformou na extensão natural do ambiente da empresa, permitindo ao empregador acionar o empregado em qualquer momento e local. A prestação de serviços por meio de aplicativo eliminou a presença física do empregador no controle direto do contrato e contribui para alimentar dúvidas na discussão de vínculo de emprego, dificultando a extensão de direitos trabalhistas forjados exclusivamente para proteger o trabalho, do empregado assalariado.
Pois então, essa onda de mudança nas relações de trabalho como resultado do desenvolvimento tecnológico tende a produzir, necessariamente, novo avanço do Direito do Trabalho, com ampliação de seu campo de aplicação, voltando para situações de trabalho em geral e mostre-se sem fronteiras, flexível e inacabado a fim de que possa amparar e evoluir para o enfrentamento de novas situações trabalhistas.