Da ilegalidade da cobrança de contribuições sindicais por meio de supostos benefícios

Na coluna desta quinta-feira (4), o advogado Samuel Rios Vellasco de Amorim escreve a ilegalidade da cobrança de contribuições sindicais por meio de supostos benefícios. Ele é formado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes e integrante da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Goiás.

Samuel Rios Vellasco de Amorim

Leia abaixo a íntegra do texto:

É certo que desde a reforma trabalhista (Lei nº 13.467) o recolhimento das contribuições sindicais se tornou facultativa, exigindo-se para a sua cobrança a prévia e expressa autorização.

Paradoxalmente, a mesma reforma trabalhista outorgou maior poder para as negociações coletivas, tendo, inclusive, prevalência à lei nas matérias dispostas no art. 611-A, da CLT.

Esse paradoxo fez emergir a teratológica criação de contribuições travestidas de benefícios sociais, auxílios saúde, serviços assistenciais etc., que buscam suprir a necessidade financeira dos sindicatos, órfãos da contribuição sindical obrigatória.

Destaca-se desde já a importância histórica e diuturna dos sindicatos na proteção e busca de avanços aos seus representados. Contudo, a extrapolação de tais intentos na busca final de arrecadação financeira própria, às vezes até em prejuízo dos seus próprios representados, deve ser questionada.

Desde 2017 foram apresentadas por diferentes entes sindicais diversas fórmulas de arrecadação, tais como o denominado Benefício Social Familiar ou Serviço Assistencial Saúde, ambos umbilicalmente ligados aos próprios sindicatos, os quais, de forma expressa ou oculta, os consideram como receita.

Cumpre destacar que a contribuição assistencial deve sim ser instituída pela negociação coletiva (Art. 513, e, da CLT), entretanto, a imposição de contribuição assistencial compulsória ofende o direito de livre associação e sindicalização, cuja nulidade há muito foi reconhecida pelo TST (OJ 17, da SDC e PN-119).

Assim as matérias têm sido levadas à Juízo questionando a sua validade e aplicabilidade, sejam através de ações declaratórias de nulidade das cláusulas, de consignação em pagamento, defesas das ações de cobrança ou ação civil pública proposta pelos sindicatos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região possui decisões em ambos os sentidos, porém, destaca-se a análise da Segunda Turma que, no processo nº 0010948-18.2020.5.18.0052 sob relatoria do Desembargador Paulo Pimenta, analisando o Benefício Social Familiar estabelecido por entidades sindicais, reconheceu a sua inaplicabilidade às empresas não sindicalizadas ou filiadas.

O Desembargador Mário Sérgio Bottazzo acrescentou na fundamentação do Acórdão que “a cláusula em questão ‘gera renda’ (proveniente dos empregadores) em favor do sindicato obreiro – com isso, o sindicato obreiro passa a ser mantido pelas empresas, ainda que parcialmente, o que cai precisamente sob a vedação do Art. 2 da C-98 da OIT”, finalizando que a cláusula não é nula apenas em relação às empresas não sindicalizadas, mas sim, em tese, em relação a todas as empresas.

Para corroborar a tese acima, no acórdão 0010031-44.2020.5.18.0231, a Terceira Turma, por maioria, com relatoria do juiz convocado Dr. Celso Moredo Garcia, fundamentou pela inconstitucionalidade da cobrança, posto que a imposição violaria o princípio da livre associação.

Assim como se entendeu que a cláusula que instituiu o Benefício Social Familiar deve ser encarada como contribuição sindical compulsória travestida, da mesma forma devem ser analisados supostos benefícios com denominações diversas.

Um novo exemplo que vem se apresentando é a cobrança de mensalidades, indenizações, multas e juros em razão da instituição do Serviço Social de Habitação, denominado SECOVIMED, o que tem trazido arrepios a condomínios residenciais.

Dentre várias teses ainda a serem enfrentadas em Juízo, destacamos que, conforme o caput da cláusula, o objeto principal da negociação coletiva é a instituição do SECOVIMED. Veja que a convenção não trata de assegurar ou garantir ao empregado um plano de saúde ou seguro saúde, mas sim em instituir uma sociedade civil atrelada ao sindicato patronal.

Os parágrafos que seguem a cláusula servem como que para viabilizar o intento do caput, repisa-se: instituir o SECOVIMED.

Inexiste cláusula de obrigatoriedade de contratação de seguro ou plano de saúde. Ademais, o SECOVIMED não está sujeito à ANS ou à SUSEP, não se sabendo qual a sua natureza, talvez por este motivo impossibilitando a CCT em definir tal obrigação.

As mensalidades do SECOVIMED são expressas e textualmente tratadas como receita pelo sindicato patronal, evidenciando a sua natureza de contribuição assistencial.

Contrariando a lógica e sua própria razão de existir, a criação dos supostos benefícios visam a manutenção do próprio interesse das entidades sindicais e não o interesse dos seus representados e categoria.

Destarte, a criação dos alegados benefícios, como por exemplo os supra indicados Benefício Social Familiar e SECOVIMED, são, de fato e direito, contribuições assistenciais com nova roupagem e uma clara forma de manutenção das entidades sindicais obreiras às custas dos empregadores, ferindo de morte a autonomia sindical, razão pela qual defendemos a nulidade das cláusulas que as instituem.