Oferecida denúncia contra envolvidos em cartel que deu prejuízos de mais de R$ 630 milhões aos cofres públicos

O Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal em Goiás (MPF/GO) ofereceu na última quarta-feira (11) a primeira denúncia contra envolvidos na chamada operação “O Recebedor”, deflagrada no dia 26 de fevereiro deste ano. A operação, que é um desdobramento de fatos apurados na Operação Lava Jato, decorreu de acordo de leniência e colaboração premiada fechados com o MPF/GO pela empreiteira Camargo Corrêa. A empresa confessou a prática de cartel, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes de licitação referentes às obras de construção dos trechos das ferrovias Norte-Sul e Interligação Oeste-Leste em Goiás. As licitações foram realizadas pela empresa pública Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.

Foram denunciados o então diretor-presidente e o diretor de engenharia da Valec, José Francisco das Neves (mais conhecido como Juquinha) e Ulisses Assad, respectivamente. Além deles, foram denunciados João Ricardo Auler (diretor da Camargo Corrêa); José Ivanildo Santos Lopes (superintendente da Queiroz Galvão); Rafael Mundim Rezende (sócio-administrador da Evolução Engenharia); Heli Lopes Dourado (sócio-administrador de Heli Dourado Advogados Associados); Juarez José Lopes de Macedo (proprietário e administrador da Elccom Engenharia) e Josias Gonzaga Cardoso (ex-assessor do presidente da Valec).

De acordo com o procurador da República Helio Telho Corrêa Filho, autor da denúncia, o esquema criminoso teve início quando executivos das principais empreiteiras do país formaram cartel para, mediante acordo de divisão de lotes, combinação de preços e oferecimento de propostas não competitivas (de cobertura, apenas para simular a competição), eliminar a concorrência no mercado de construção ferroviária, frustrando o caráter competitivo das licitações realizadas pela Valec para a construção das ferrovias Norte-Sul e Integração Oeste-Leste no estado de Goiás. Com isso, dominaram o mercado e, combinando, manipulando e elevando arbitrariamente os preços (sobrepreço), maximizaram, assim, seus lucros em prejuízo da Administração Pública. O cartel teve início ainda no ano 2000 e se manteve após as últimas licitações realizadas no ano de 2011.

Parte dos recursos decorrentes dos próprios contratos com a Valec, obtidos com os crimes de cartel, ajuste e fraude de licitação e participação em peculato, foi submetida a operações de ocultação e dissimulação (lavagem de dinheiro) e utilizada para o pagamento de propina a dirigentes da empresa pública, em especial a Juquinha, seja para prevenir interferências no funcionamento do cartel, seja para obter deles o apoio necessário ao desenvolvimento de suas atividades criminosas.

Superfaturamento 

O sobrepreço nos contratos decorreu da conjugação de quatro causas: exigências injustificadas de qualificação técnica do edital e a proibição de consórcios, que restringiram a concorrência e permitiram a formação do cartel; a cartelização das únicas empresas participantes que tinham condições de atender às exigências editalícias, que combinaram preços, eliminando a concorrência; o sobrepreço já no orçamento do edital, que elevou indevidamente o patamar referencial de preços que a Valec estimou, e o beneplácito da comissão de licitação que aceitou, sem questionamentos ou justificativas, as propostas vencedoras com preços em percentuais superiores ao orçamento de referência.

Os denunciados Juquinha e Ulisses Assad consentiram e endossaram o cartel, as fraudes e o superfaturamento, autorizando e celebrando termos aditivos, permitindo, assim, que fossem pagos os valores com sobrepreço. A atuação de ambos foi consciente, concertada e com unidade de propósitos, seja por terem direcionado os subsequentes editais de licitação em benefício das empresas do cartel, seja por terem atuado diretamente para evitar que o cartel se desestabilizasse ou se desmanchasse, seja solicitando e recebendo propina.

Perícia criminal apurou que a atuação do cartel resultou na celebração de contratos com sobrepreço de mais de R$ 230 milhões, em valores não atualizados.

Lavagem de dinheiro 

De acordo com a denúncia, ficou apurado que Juquinha, que assumiu o papel de maior relevância atuando como garante do esquema criminoso,  solicitou e recebeu mais de R$ 2,24 milhões em propina. Em 2011, o Consórcio Ferrosul (composto pela Camargo Corrêa e pela Queiroz Galvão) celebrou contratos simulados com o escritório de advocacia do denunciado Heli Lopes Dourado para ocultar a origem e a destinação dos recursos provenientes dos crimes de cartel e de peculato e para pagar propina a Juquinha. Heli Dourado teria recebido R$ 360 mil, em três parcelas, por meio de contrato simulado de consultoria com o Consórcio Ferrosul, para o qual nunca prestou serviços, emitindo três notas fiscais “frias”. Na verdade, o beneficiário dos serviços jurídicos foi Juquinha, sua mulher e filhos.

Em outra ocasião, novamente Juquinha recebeu da Camargo Corrêa quase R$ 900 mil em propina. O dinheiro teria sido pago em quatro parcelas ao longo de 2010 e 2011. Para ocultar a origem do dinheiro, Juquinha indicou a empresa Evolução Engenharia, de propriedade do denunciado Rafael Mundim, que simulou contrato de prestação de serviço à Camargo Corrêa para a roçada de área verde, jamais executado. Para tanto, a Evolução emitiu quatro notas fiscais “frias”.

Por fim, Juquinha, por meio do denunciado Josias Gonzaga Cardoso, solicitou e recebeu quase R$ 1 milhão em propina vinculada à execução do contrato referente ao lote 03S, da Concorrência 04/2010, a cargo do consórcio Ferrosul. Josias Gonzaga indicou a empresa Elccom Engenharia, de propriedade do denunciado Juarez Macedo, que celebrou contrato e aditivos simulados de prestação de serviços com o Consórcio Ferrosul, emitindo, da mesma forma, notas fiscais “frias”.

Balanço

As investigações referentes às irregularidades nas obras da Ferrovia Norte-Sul tiveram início no âmbito do MPF/GO no ano de 2009. Até o momento, já resultaram na instauração de 10 ações judiciais, entre cíveis e criminais, e o processamento de 37 envolvidos, entre eles 8 empreiteiras (Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Constran S/A, Aterpa, Ebate, Ecoplan e STE), além dos principais integrantes da diretoria da Valec.

Com a atuação do MPF/GO, foi possível apurar, até o estágio atual das investigações, prejuízos aos cofres públicos da ordem de mais de R$ 600 milhões apenas no trecho da ferrovia que corta Goiás. Esse valor é o montante que o MPF/GO busca na Justiça para ressarcimento pelos envolvidos. Judicialmente já estão bloqueados quase R$140 milhões em bens e dinheiro. Recentemente, a Camargo Corrêa concordou em devolver outros R$ 75 milhões por meio de acordo de leniência.

O MPF/GO esclarece que a não inclusão, nesta primeira denúncia, de outros envolvidos ou fatos não implica pedido de arquivamento implícito, reservando-se a prerrogativa de, eventualmente, no decorrer das investigações ainda em curso, aditar ou oferecer nova denúncia. Fonte: MP/GO