Precisamos falar sobre a “Datenização” da Advocacia Criminal

O episódio dos advogados que citaram Nicolau Maquiavel e Saint-Exupéry desde a tribuna do Plenário do STF [1] traz novamente à pauta questões relevantes à toda a advocacia: a que expectativa deve corresponder o Advogado Criminal ao atuar em cada um dos ritos ou procedimentos previstos no processo penal? Há parâmetros mínimos a serem seguidos ou observados? E, afinal, qual a estética dominante da Advocacia Criminal?

Comecemos de traz para frente. Partindo da hipótese segundo a qual a estética dominante reúne elementos próprios do Tribunal do Júri, instei [2] alguns amigos, também advogados, a responderem um questionário. Na primeira pergunta, queria saber deles “qual seria a imagem que melhor ilustraria – ou definiria – um Advogado Criminal em atuação?”. Na segunda pergunta, busquei saber “qual seria a legenda ou a frase que melhor descreveria essa imagem?”

Encerrada a consulta, o resultado: a imagem mencionada com maior recorrência foi a de um advogado atuando perante o Tribunal do Júri. Logo, o que, para mim, representava uma singela hipótese, ganhou contornos de tese a ser desenvolvida em espaço adequado. Sim, a estética que melhor ilustra a Advocacia Criminal [3] parece ser a do Tribunal do Júri.

Entretanto, a resposta à segunda questão indicou um sintoma do que parece ser um problema de raízes ainda mais profundas. Entre as diversas frases indicadas como descritivas da estética da Advocacia Criminal, as mais lembradas remetiam à ideia de “arena”, “confronto”, “guerra”, “guerreiro” e “coragem”. Ao final, a frase mais lembrada foi aquela atribuída a Sobral Pinto: “a advocacia não é profissão de covardes” [4].

E esta, para mim, parece ser uma das chaves para compreender a questão: o que seria, em resumo, a antítese de covardia? Coragem? Sim, coragem. Mas, a coragem entendida como “o que vem do coração?” ou a coragem de quem, como numa guerra, “quer eliminar o adversário”, se utilizando, para tanto, de comunicação violenta e de hostilização a quem lhe é diferente? Não foi exatamente isto que ocorreu no julgamento da Ação Penal 1060? Sim. Exatamente.

Em sendo correta a hipótese que sustento, possível sugerir que no mínimo duas são as narrativas que disputam a estética do Tribunal do Júri e, por consequência, a imagem ou a autoimagem da Advocacia Criminal: a primeira, marcada por competência técnica, urbanidade, respeito e elegância e encarnada em figuras como Lia Pires e seu mais conhecido pupilo, Jader Marques, em Márcio Thomaz Bastos e em Mirelle Maciel; e a segunda, que remete a programas policiais, caracterizados, quase todos, pela massificação da violência como forma de resolução de conflitos e pelo apelo irresponsável à emoção e fragilidade humanas, ou, como tenho intitulado, a “Datenização da Advocacia Criminal” [5].

Mas, afinal, ante o cenário ilustrado, a que expectativa deve corresponder o Advogado Criminal ao atuar em cada um dos ritos ou procedimentos previstos no processo penal? Ainda, há parâmetros mínimos a serem seguidos ou observados? Estas duas questões eu responderei na segunda parte desse artigo, na semana que vem! Aguardo vocês!

[1] Ação Penal 1060, referente aos atos de 08/01/2023, que tramita no STF sob a Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes.

[2] A consulta ficou disponível em dois stories do meu Instagram @gilles_gomes por 24 horas.

[3] A estética é conhecida como a ciência do belo, a filosofia a arte que estuda o que é belo nas manifestações da natureza e nas manifestações artísticas.

[4] Frase atribuída a Heráclito Fontoura Sobral Pinto.

[5] Em referência ao programa policial.