Para além da estética do Tribunal do Júri

Mas, afinal, a que expectativa deve corresponder o Advogado Criminal ao atuar em cada um dos ritos ou procedimentos previstos no processo penal? Ainda, há parâmetros mínimos a serem seguidos ou observados? Estas foram as duas questões que deixei em aberto no último artigo da coluna.

De início é preciso dizer: a cada procedimento do processo penal deve corresponder uma postura ou um agir estratégico do Advogado. Quero com isso dizer que a verve, a eloquência mais acentuada e o apelo a aspectos cênicos que caracterizam a atuação perante o Tribunal do Júri não devem ser transportados, de forma automática e acrítica, para outros procedimentos.

E isso se deve, basicamente, a dois fatores: primeiro, porque o exercício da defesa no rito do júri não se expressa apenas de forma ampla, mas de forma plena, e é justamente a plenitude de defesa que confere ao advogado a utilização de todos os recursos disponíveis ao convencimento dos julgadores; segundo, porque a motivação das decisões dos julgadores no tribunal do júri se dá por íntima convicção, o que afasta a necessidade de justificação racional sobre as razões de decidir por esta ou aquela tese.

Dito isso, é possível considerar que a estética do tribunal do júri seja acriticamente transportada para a audiência de custódia? Pode um advogado dirigir-se ao magistrado da custódia, ao membro do ministério público e ao flagranteado como se estivesse na tribuna do júri? Poder, pode, mas não deve!

Diferentemente do que ocorre no júri, para além de abordar questões como a legalidade da prisão e a sua relação com a prática de tortura, e a necessidade da decretação de qualquer medida constritiva da liberdade – e não apenas a prisão preventiva, a atuação do advogado na custódia reside, principalmente, em auxiliar o magistrado na tomada decisão. O agir estratégico se volta à ideia de contribuir para que a opção pela manutenção da liberdade ocorra em segurança e amparada em provas. A maioria dos magistrados, antes de julgar, pensa nos riscos e nas consequências – jurídicas, sociais, políticas, até mesmo pessoais – de se colocar em liberdade quem deveria estar preso aos olhos da sociedade, e até mesmo segundo os elementos do inquérito!

Para isso, o advogado deve fazer chegar ao magistrado elementos de prova que demonstrem que se e como a tortura ocorreu, ou que evidenciem que a liberdade do custodiado não imporá risco ou perigo aos interesses assegurados pela lei processual penal, como a ordem pública e econômica, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal. Ainda, deve demonstrar que o flagranteado terá condições de cumprir as medidas impostas, apresentando, de forma antecipada, os elementos aptos a sugerirem como esse cumprimento se dará [1]

Ainda, a atuação do advogado perante tribunais de justiça ou tribunais superiores em nada se confunde com aquela desenvolvida no tribunal do júri. Isso porque, na sustentação oral o advogado buscará delimitar a controvérsia contida no recurso ou no habeas corpus e apresentá-la aos julgadores. Se se tratar de um habeas corpus, espera-se do advogado que identifique a autoridade coatora e a coação ilegal, de modo a demonstrar aos julgadores que a tese sustentada está amparada na prova pré-constituída, nos precedentes do tribunal ou dos tribunais superiores e, sobretudo, que o caso sustentado é especial e diferente de todos os demais casos julgados naquela sessão, ou nas sessões que a antecederam.

Se a sustentação for em recurso, deve o advogado escolher uma ou duas das teses vertidas nas razões para apresenta-las aos julgadores, sempre em cotejo com a prova dos autos, partindo do pressuposto de que é o relator quem conduz o processo mas que a decisão é sempre colegiada. Quero dizer com isso que todos, absolutamente todos os julgadores devem conhecer o que julgarão, e que a missão de mostrar em detalhes todos os aspectos e nuances do processo compete ao advogado, exclusivamente; sem citar livros que não leu, sem ser enfadonho, sem demonstrar intimidade que não possui, e, especialmente, sem agir como se estivesse no tribunal do júri.

E na audiência de instrução, é necessário apontar o dedo para a testemunha da parte adversa, brigar com o magistrado ou rasgar a obra doutrina do promotor de justiça?  Não, absolutamente. Para ser mais direto, entendo que tampouco a atuação no tribunal do júri admite esse tipo de comportamento. Audiência de instrução se destina à produção da prova que servirá à tomada de decisão do magistrado. E prova é o coração da questão penal! E a decisão, nesse caso, será tomada sob o critério da íntima convicção? Não, a decisão que se seguirá à instrução criminal, a sentença, assim como ocorre na decisão da audiência de custódia e ou nos acórdãos de colegiados togados, deverá ser motivada racionalmente. Logo, se a decisão encontra fundamento na motivação racional, é racional admitir-se que o convencimento se dê por outro critério que não o “exclusivamente racional”?

Refletir mais a fundo sobre essas questões pode contribuir, asseguro, para a respeitabilidade da advocacia criminal. Precisamos pensar para além da estética do Tribunal do Júri, a despeito de todo respeito que a instituição merece. Tem dúvida? Pergunte a um magistrado!

[1] Em correspondência com o que ocorre em outros sistemas processuais penais, entendo que o advogado deve se espelhar nos trabalhos dos pretrial services do EUA, ou no servicio de antelación al juicio do Chile.