Comissão aprova texto que proíbe aborto até em caso de estupro

Agência Brasil

A comissão especial da Câmara dos Deputados criada para discutir a ampliação da licença-maternidade para os casos de mães de bebês prematuros aprovou na noite de hoje (8), por 18 votos a 1, o texto apresentado pelo relator, deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), para as propostas de Emenda Constitucional (PEC) 181/2015 e 58/2011 que tratam do tema. O parecer do relator incluiu no texto final o polêmico conceito de proteção da vida a partir da concepção.

A discussão e votação da proposta motivou intenso debate entre deputados federais. Alguns parlamentares relacionam a alteração do relator a uma tentativa de criminalizar todos os casos de aborto admitidos na legislação brasileira. O parecer favorável à mudança constitucional que amplia o prazo de licença-maternidade para mães de bebês prematuros prevê que o tempo de internação do bebê até a alta hospitalar deve ser acrescido à licença de 120 dias da mãe. A proposta limita, no entanto, o tempo total do benefício a 240 dias.

A divergência surgiu depois que o relator emitiu parecer favorável à extensão da licença-maternidade, mas acrescentou a mudança polêmica no texto. O relator sugere que os direitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da inviolabilidade da vida e igualdade de todos perante a lei devem ser considerados “desde a concepção”. Antes de ir a votação em plenário, a comissão ainda precisa analisar 11 destaques ao parecer do relator.
A inclusão da expressão no texto foi interpretada por partidos oposicionistas como uma manobra das bancadas evangélica e católica para reforçar a proibição ao aborto no país, assunto que tem sido debatido em outras frentes do Poder Legislativo e pelo Judiciário no sentido da descriminalização. Para a deputada Jô Moraes (PcdoB-MG), a alteração pode criminalizar os casos permitidos de aborto, como na gestação decorrente de estupro.

Antes de a votação ser retomada à noite, a proposta foi discutida até o início da tarde com intensa troca de acusações entre deputados favoráveis e contrários à inclusão do dispositivo, até o momento em que precisou ser suspensa porque começou a ordem do dia no plenário da Casa, o que impede qualquer deliberação nas comissões. No plenário da Câmara, a PEC precisa, para ser aprovada, de pelo menos 308 votos favoráveis entre os 513 deputados em dois turnos de votação.

Atualmente, as mães de bebês que nascem prematuros têm a mesma licença-maternidade de 120 dias, ou de quatro meses, contados a partir do momento do nascimento, mesmo que, em muitos casos, fiquem internados em unidades de Terapia Intensiva (UTIs) durante meses, reduzindo o tempo das mães com as crianças em casa, depois de sair do hospital. É considerado prematuro o bebê que nasce com menos de 37 semanas de gestação. A ampliação da licença-maternidade nos casos de prematuridade é defendida por representantes de mães, cuidadores e parentes de bebês nascidos prematuramente.

Proibição de aborto

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181/15 de extensão da licença-maternidade já passou pelo Senado e, desde o início deste ano, tem sido debatida na Câmara. Apesar de a PEC ter sido aprovada com facilidade pelos senadores e pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, a mudança feita pelo relator fez a proposta enfrentar resistência quando chegou à fase de discussão na comissão especial, última etapa prevista de análise de mudanças constitucionais antes da votação em plenário.

O deputado Jorge Mudalen argumenta no parecer que a garantia da convivência do recém-nascido com a família após a saída do hospital “indica uma orientação calcada em nossa tradição cultural e jurídica, intimamente ligada à proteção da vida ainda no ventre materno”. No projeto, o relator apresenta argumentos de juristas que seguem a “linha de proteção à vida” e cita direitos do nascituro previstos no Código Civil e o aborto como crime contra a pessoa, descrito no Código Penal.

O parecer de Mudalen foi duramente criticado como fundado em concepções religiosas. “Aqueles que se acham donos dos corpos das mulheres (…) se utilizam de uma PEC apenas como embrulho, invólucro, para introduzir suas concepções, que ferem os próprios direitos”, declarou a deputada Erika Kokay (PT-DF).

A deputada ressaltou que a PEC é importante para os bebês e as mães, ao garantir a ampliação da licença em caso de parto prematuro, e que a mudança no Código Penal sobre a questão do aborto, por ser polêmica e não ter relação com o objeto da proposição legislativa original, deveria ser apresentada em projeto de lei próprio, separada da discussão da ampliação da licença-maternidade.

Os defensores da proposta reagiram às críticas e negaram a acusação de golpe a partir da inclusão do complemento do relator com o objetivo de criminalizar o aborto. Eles argumentaram ainda que as críticas não representam o que a maioria das mulheres e da sociedade brasileira pensa sobre o aborto.

“Fui eleito sem enganar ninguém, pelos católicos do meu estado. Se eu votar com a religião, eu estou muito bem representando meu povo. A senhora [deputada Kokay] é contra, parabéns; tem uma linha, nós temos outra. A senhora tem posições claras, ideologia de gênero, nós somos contra, democracia é bom para isso”, disse o deputado Givaldo Carimbão (PHS-AL).

A troca de acusações marcou toda a reunião. Deputados apresentaram várias questões de ordem e requerimentos questionando a introdução do tema do aborto na PEC da licença-maternidade, mas todos foram rejeitados pela maioria dos membros da comissão. Encaminharam voto contrário ao parecer a bancada da minoria, PT, PCdoB, PSOL e PPS; encaminharam voto favorável os partidos DEM, PSDB, PR, PODE, PSC, PROS e PHS.