Prazo de suspensão das ações e execuções durante a recuperação judicial

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    A LFRE, de número 11.101/05, ao longo dos seus praticamente 14 anos de vigência, tem despertado em seus julgadores um sentido muito profundo quanto à preservação da continuidade da atividade, acreditamos que em obediência aos princípios que precederam a confecção deste instituto. Assim, em diversos julgados, tem-se observado que, até mesmo contrariando a fria disposição da Lei, os seus autores privilegiam a manutenção da empresa em detrimento do recebimento dos direitos requeridos pelos credores.

    A Lei de regência, em seu artigo 6º, prevê que “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. O parágrafo 4º deste mesmo artigo, vem impor determinadas condições àquele privilégio concedido ao devedor impetrante da recuperação judicial que tem o seu processamento deferido, ou seja: “Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial”.

    É que o legislador da Lei 11.101/05 imaginava que o prazo dado para a suspensão das ações e execuções de 180 dias seria o suficiente para que toda a tramitação processual se desenrolasse e que, dentro deste prazo, já ter-se-ia aprovado o plano de recuperação judicial, oportunidade em que credores e devedor já estariam acordes quanto à forma de pagamento dos créditos existentes na recuperação judicial.

    Na prática, porém, não foi assim. O que se viu foi que os 180 dias concedidos ao recuperando se escoaram antes da aprovação do plano, o que, na teoria, significava que os credores ou poderiam dar continuidade às ações e execuções suspensas ou poderiam iniciar – ajuizar – outras demandas. Seria, na prática, o caos, vez que todos os bens do recuperando se destinam ao cumprimento do plano de recuperação judicial, conforme decidido pela assembleia geral de credores, se ela existir, ou, em caso contrário, da forma que ele for apresentado.

    Diante deste quadro, a responsabilidade pelo futuro de uma recuperação judicial nos moldes acima é do Judiciário. E um exemplo nos é dado pelo nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no Agravo de Instrumento 5208195-83.2017.8.09.0000, em que é Relator o eminente Desembargador ORLOFF NEVES ROCHA, 1ª Câmara Cível, julgado em 08/05/2019, DJe de 08/05/2019, cuja ementa transcrevemos na íntegra:

    “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TÉRMINO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DE AÇÕES DE BUSCA E APREENSÃO DE VEÍCULOS ALINEADOS FIDUCIARIAMENTE CONTRA DEVEDOR EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RETOMADA

    SUSPENSA. BENS ESSENCIAIS. O mero decurso do prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º, da LFRE e prorrogação judicial por 90 dias não é bastante para, isoladamente, autorizar a retomada das demandas movidas contra o devedor. Isto porque a apreensão de 27 ônibus, gravados com alienação fiduciária, pode comprometer a preservação da empresa e a manutenção dos bens de capital, porquanto essenciais à atividade empresarial da recuperanda. Prova disso é que, mesmo após encerrado o prazo de prorrogação para suspensão das ações, o juiz proferiu a decisão recorrida, impedindo a retomada dos bens essenciais. O processo de recuperação é sensivelmente complexo e burocrático. Mesmo que a recuperanda cumpra rigorosamente o cronograma demarcado pela legislação, é aceitável supor que a aprovação do plano pela Assembleia Geral de Credores ocorra depois de escoado o prazo de 180 dias, como ocorreu no caso em apreço. Embargos de declaração rejeitados”. (grifamos).

    Por outro lado, a questão sob estudos trata-se de bens essenciais à continuidade da atividade, o que proporcionou ao nobre Desembargador Orloff Neves Rocha a utilização dos dispositivos do parágrafo 3º do artigo 49, da Lei 11.101/05, que assim dispõe: “Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”. Grifos nossos.

    Observamos que, além do prazo dado quando do deferimento do processamento (180) dias, havia uma prorrogação de 90 (noventa) dias, também esgotada, o que, segundo o eminente Relator, “… não é bastante para, isoladamente, autorizar a retomada das demandas movidas contra o devedor. Isto porque a apreensão de 27 ônibus, gravados com alienação fiduciária, pode comprometer a preservação da empresa e a manutenção dos bens de capital, porquanto essenciais à atividade empresarial da recuperanda…”.

    Nada obstante a Lei impor apenas 180 dias de suspensão das ações e execuções em face do devedor/recuperando, a jurisprudência, em socorro mesmo ao procedimento da recuperação judicial, entendeu que, nas hipóteses acima, a suspensão deve durar até a aprovação do plano de recuperação judicial.