Sangue quente, coração frio

*David Soares

Falando sobre a situação da humanidade antes de Sua Segunda Vinda, Jesus Cristo profetizou que o amor se esfriará. Ao longo da minha carreira no Direito Criminal, tenho visto isso lamentavelmente se concretizar.

Não é que ficamos mais violentos. Nossa espécie sempre foi violenta, Thomas Hobbes dizia isso em seus escritos. Os dados comprovam que temos menos guerras, menos conflitos, menos violência urbana.

O noticiário nos faz duvidar bastante desses fatos, mas, por incrível que pareça, estamos sim deixando de resolver as coisas exclusivamente na base do pau e da pedra e nos esforçamos mais a sentar e conversar. Só que pararmos de nos matar está sendo o bastante?

A geração de riqueza – ainda que desigual – nos últimos 200 anos, o desenvolvimento da tecnologia e outros tantos motivos “amansaram” as pessoas. Temos menos motivos para sermos violentos. Não significa, evidentemente, que somos pessoas utopicamente melhores que nossos ancestrais. Ainda temos muitos desafios no aprendizado da convivência em sociedade. Mesmo assim, estamos saindo de pessoas com sangue quente para pessoas com coração frio.

Observe como nos acostumamos com tudo, até com o pior, na pandemia, milhares de mortes e muitas vezes ouvíamos os noticiários como apenas estatísticas. A maior dom que temos, a vida humana, foi reduzida a números.

O mundo moderno nos empurra cada vez mais esse “estilo de vida”. Vivemos para trabalhar e trabalhamos para viver. Um olho no prato e outro no celular. Marido e mulher, pais e filhos, completos desconhecidos vivendo sob o mesmo teto. São tempos de distanciamento emocional, de dificuldade com intimidade, de críticas ásperas e exageradas, de isolamento.

A pouco vimos um homem ser morto por quem deveria proteger, e pouco, muito pouco nos indignamos, não como deveríamos, a impressão é que o ser humano está cada vez menos ser humano.

Não se engane: a frieza não leva necessariamente à violência física, mas talvez possa explicar um pouco do motivo de alguns de nós sermos tão cruéis, inclusive em crimes que não envolvem sangue e agressões.

Muita gente se sente livre na internet para falar o que quer, tornando-se insensível às pessoas do outro lado. Infelizmente, pensa-se que por não haver ferimentos físicos, não há violência. Como diria o provérbio, “mais fere a má palavra que a espada afiada”.

A era da velocidade, imediatista, super produtiva, tornou-se tão evoluída que se parecem mais com máquinas do que com humanos, e assim o sentimento, o raciocínio lógico e empático tornaram-se ferramentas de trabalho ao invés de caminhos afetivos.

Onde está a empatia? Onde está a compaixão? Já evoluímos muito para retrocedermos como civilização.

*David Soares é advogado criminalista e conselheiro federal pela OAB-GO.