Os homens são burros demais para entender as mulheres

*Bartira Macedo de Miranda

Passado o 8 de março, mas ainda no Mês das Mulheres, quero fazer uma homenagem a uma mulher comum. Eu a conheci quando dirigia a Faculdade de Direito da UFG. Um certo dia, fui chamada à Reitoria porque havia uma professora sofrendo assédio profissional em um campus do interior e, diante do complexo processo administrativo que se instalou, a reitoria iria remover a professora e uma das opções era que ela fosse lotada na FD.

Quando percebi que a FD receberia mais um professor, no caso professora, sem comprometer o nosso número de vagas (sempre tão disputado), concordei com a nomeação. Tão logo ela chegou à FD, chegaram logo depois sucessivos expedientes da sua ex-chefe, baseados na Lei de Acesso à Informação. Primeiro pediu todas as atas do Conselho Diretor da FD dos últimos 5 anos. Eu não queria fornecer porque achei um absurdo o manuseio do instrumento legal utilizado.

Expliquei à Reitoria que a tal ex-chefe, como minha colega de UFG, poderia solicitar diretamente à FD os documentos que quisesse, não precisava usar de instrumentos coercitivos. Mas a Reitoria não concordou comigo, somos obrigados a fornecer e assim foi feito. Logo depois, veio outro pedido semelhante, da mesma ex-chefe. Dessa vez, pedia todas as informações financeiras da FD dos últimos 5 anos. Nem me estressei, autorizei o fornecimento. Depois, a criatura ainda pediu a lista de todos os bens da FD, o local exato de onde se encontravam e o nome do servidor responsável por cada bem. Também não me estressei. As reformas administrativas que havíamos implementado na FD permitiu que a informação fosse repassada, pois ela já existia e estava organizada. Aproveitei para responder muito elegantemente que a direção da FD estava à disposição dela para qualquer outra informação. E foi assim que conheci a Fernanda Busanello. Eu nem conhecia a sua ex-chefe, mas pelo comportamento dela em relação à direção da FD, pude perceber que o assédio em relação à Fernanda deveria ter sido realmente muito forte a ponto de justificar a sua remoção.

Todas as informações que chegavam até mim, sobre a Fernanda, é que era uma professora muito inteligente e competente. E isso se comprovou no tempo que trabalhamos juntas. Trata-se de uma profissional fenomenal, daquelas que faz muito mais do que a sua obrigação funcional. A Fernanda foi fundamental para vários projetos da FD, projetos complexos que visavam angariar verbas em Brasília, daqueles editais milionários com prazos de uma semana e que exigiam conhecimentos altamente especializados e cálculos, e documentos, e planilhas… etc. Só conseguíamos concorrer porque tínhamos a Fernanda para estudar as regras, descobrir os caminhos, movimentar as pessoas, juntar os documentos, articular com as instituições, pensar o projeto, concentrar-se para elaborar e escrever. O meu trabalho era basicamente convocar a Fernanda e depois ouvir: “Chefe, conseguimos!”.

Fernanda Busanello é professora da Faculdade de Direito e do Doutorado em Direitos Humanos. É jovem, é linda, e tem dois filhos pequenos.

E porque a Fernanda Busanello é a minha homenageada?

Primeiro, porque ela é uma mulher comum e, como tantas outras, é incompreendida. Trabalha com afinco. Cuida de casa, da família, dos filhos, dos amigos, dos gatos, dos alunos, dos colegas. Ela é puro amor em pessoa.

Segundo, porque ela é uma mulher incomum. E como toda mulher incomum é incompreendida. Ela é Excepcionalmente bela e competente. Excepcionalmente guerreira e amorosa. Excepcionalmente companheira, amiga e gentil. Excepcionalmente simples e sofisticada. E tem o coração puro como o de uma criança.

Nesse mês de março, quero homenagear as mulheres todas as mulheres, como a Fernanda: comuns ou incomuns, mas sempre incompreendidas.

Ser mulher é enxergar um lado da história que não está disponível a todos. Todo homem tem um ponto de vista, mas é a mulher que tem múltiplos pontos de vista e conseguem enxergar para além do que os olhos permitem. Há dimensões da nossa realidade que são as mulheres que experenciam e criam.

Um homem pode escolher quando e como exercer a paternidade e ainda posar de pai responsável. Um homem tem a liberdade de seguir seus instintos momentâneos e se cansar de brincar de casinha. Um homem recém-separado pode ficar postando fotos dos filhos para parecer dedicado e honrado. Ele acha que pode continuar sendo “pai”, mesmo que tenha desistido de ser “o pai”. Ser “pai” é um departamento da vida do homem que ele pode exercer quando lhe aprouver.  Sabe aquele sábado à tarde, pois então, pode ser um bom momento para ser “pai”. Aí aproveita e tira foto, porque não basta ser pai, tem que postar. E se contribuir financeiramente com as despesas dos filhos, aí ele acha que seu lugar no céu está mais do que garantido. Isso quando contribuem. A realidade é que tentarão, por todos os meios, se esquivarem dessa injustiça.

O mês é da Mulheres, mas… Ó Pobre Homem!

Os homens simplesmente não compreendem. São incapazes de captar do que estamos falando.

A questão feminina não é uma questão de liberdade. Nosso dilema não é a liberdade. Se a liberdade fosse nosso objetivo, poderíamos pensar que o feminismo nos trouxe mais desvantagens do que vantagens. Sim, porque hoje estamos no mercado de trabalho com muito mais obrigações e tarefas e continuamos na nossa vida profissional e pessoal igualmente comprometidas. Não podemos transitar entre o ser e o “não-ser” quando bem nos convém. Ser um pouco mãe em um dia e no outro não. Ser “a mulher” em um dia e depois desistir ou se cansar, tirar férias. As mulheres não apenas geram seus filhos, mas elas também geram a família e os vínculos mais profundos do pertencimento humano.  São elas que projetam um futuro de harmonia, paz e prosperidade.

A verdade é que quanto mais independentes somos, menos paciência teremos de chamar os homens às suas responsabilidades. Paradoxalmente, quando o homem não assume o seu papel  masculino,  a mulher é levada a exercer esse papel e tarefas, gerando disfunções. Eles seguirão sua vida de liberdade, enquanto estaremos cada vez mais atarefadas.

Mas, então, porque os homens são incapazes de entender as mulheres?

A resposta é que, para nós, mulheres, a vida não é uma questão de liberdade. É uma questão de dignidade. É olhar pelo retrovisor da história e sentir orgulho do que construímos. Sacrificamos os pequenos prazeres por uma felicidade maior, que só o tempo é capaz de consolidar. Para os homens, o mundo pode ser um grande restaurante. Para nós, é o lar.

*Bartira Macedo de Miranda é presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB-GO.