Anatocismo e Súmulas 539 e 541 do STJ

Perito contábil João Lucas Protásio

Em junho deste ano, o STJ editou as Súmulas 539 e 541 com os seguintes verbetes:

Súmula 539
É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.

Súmula 541
A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

Dessa vez, o egrégio tribunal se utilizou da matemática financeira para definir situações polêmicas envolvendo capitalização de juros, taxa nominal e efetiva, fruto de entendimentos consolidados nos julgamentos que, embora sem efeito vinculante, servem de orientação acerca da jurisprudência firmada pelo STJ.

Conceitos

Para interpretar os textos dessas súmulas, alguns conceitos são necessários:

Contrato bancário: geralmente os empréstimos e financiamentos contraídos junto a bancos e instituições financeiras.

Taxa de juros: percentual de remuneração do credor em razão do capital emprestado ou financiado ao devedor.

Capitalização composta de juros: regra matemática de apropriação dos juros ao capital, de forma exponencial, ao longo do prazo. Os juros incidem sobre o capital acrescido dos juros dos períodos anteriores. Juros sobre juros. Denominada por muitos como “anatocismo”.

Duodéclupo: significa doze vezes maior.

Taxa nominal de juros: aquela acordada em contrato, em periodicidade diferente da que será aplicada. Exemplo: 12% ao ano, sendo que a cobrança será mensal.

Taxa efetiva de juros: aquela resultante da aplicação periódica dos juros previstos na taxa nominal. Exemplo: uma taxa nominal de 12% ao ano terá taxa efetiva de 1% ao mês. Ao se aplicar a capitalização composta, os juros de 1% ao mês serão elevados a 12 meses (fator exponencial) gerando a taxa efetiva anual de 12,68%, portanto superior ao duodéclupo da mensal.

Assim, se houver previsão no contrato bancário de uma taxa anual de juros de 12,68%, por exemplo, cuja incidência mensal seja de 1%, permite-se a cobrança dessa taxa efetiva anual.

Anatocismo e Capitalização de Juros

Quando se fala em juros sobre juros, existem duas situações que muitas vezes não são abordadas e se confundem no meio jurídico:

1ª) capitalização composta de juros: significa a metodologia de apropriação dos juros ao capital; regra matemática de cálculo utilizando o fator exponencial que eleva a taxa ao prazo, diferente dos juros simples que calculam de forma linear através da multiplicação. No regime composto, os juros se acumulam ao capital para cálculo dos juros subsequentes; juros sobre juros; chamados por alguns de Anatocismo.

Por exemplo: um capital de R$ 10 mil à taxa de 5% ao mês rende juros mensais fixos de 500,00 se adotado o regime de juros simples; caso sejam adotados os juros compostos, a taxa de 5% ao mês incidirá sobre o capital de R$ 10 mil no 1º mês totalizando juros de 500,00 (iguais ao regime simples), porém nos meses subsequentes incidirá sobre o capital mais os juros acumulados dos meses anteriores: 5% x (10.000,00 + 500,00) = 525,00 no 2º mês; 5% x (10.000,00 + 500,00 + 525,00) = 551,25 no 3º mês, etc.

2ª) juros sobre juros não pagos (liquidados): essa segunda hipótese gera confusão no meio jurídico, por se tratar de uma situação mais concreta (prática), que extrapola a regra matemática teórica da capitalização dos juros. Assim, um determinado contrato pode prever e aplicar a capitalização composta, sem contudo contemplar juros sobre juros não pagos. Inclusive, alguns operadores de direito e doutrinadores financeiros consideram anatocismo somente quando há esse tipo de ocorrência.

Essa incorporação (acumulação) ao capital (saldo devedor) dos juros não liquidados, para servir de cálculo dos juros subsequentes, pode ocorrer em duas hipóteses:

a) quando a prestação mensal torna-se inferior à parcela de juros, gerando “amortização negativa”; muito comum em contratos antigos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), decorrente do descompasso entre os índices de correção monetária do saldo devedor e aqueles que reajustam as prestações, fazendo com que o saldo cresça em desequilíbrio, onerando os juros, que se tornam superiores à prestação; e essa diferença negativa passa a ser acumulada ao saldo (capital), para cálculo dos juros subsequentes; e/ou

b) em razão da ausência de pagamento das prestações. Muitas instituições acumulam ao saldo principal os valores das prestações que não são pagas, gerando juros sobre juros não liquidados. Contudo, existem instituições que calculam a evolução do saldo de forma teórica (considerando pagas todas as prestações, independente de haver ou não pagamento) e cobram à parte as prestações com seus devidos acréscimos contratuais de mora.

Nesse contexto, constata-se acerca do posicionamento dos magistrados que:

– na 1ª situação de capitalização composta inferior a um ano, por se tratar de uma regra matemática de juros compostos, analisa-se a previsão expressa no contrato ou a presunção de ciência da existência dos juros compostos quando pactuada taxa efetiva anual superior ao duodéclupo da taxa mensal, conforme inteligência das recentes Súmulas 539 e 541 do STJ;

– na 2ª situação de juros sobre juros não pagos, grande parte dos juízes determinam que esses juros não liquidados sejam contabilizados à parte do saldo principal, de modo a evitar esse tipo de fenômeno que gera muita onerosidade para o devedor.

*João Lucas Oliveira Protásio é perito contábil – jl@jlpericias.com e www.jlpericias.com