João Arthur do Vale Pacheco*
Certamente, se o leitor acompanha as atividades de nosso escritório deve ter feito a pergunta que intitula este artigo para si mesmo considerando o ajuizamento de uma Ação Coletiva contra o banco do Brasil, cujo valor da causa ultrapassa os R$840 bilhões de reais, sendo a maior ação já ajuizada na história do país.
Bom, considerando que uma ação coletiva abrange grande quantidade de conceitos e definições, podemos proceder inicialmente definindo o que é uma ação coletiva pela negação, dizendo aquilo que a ação coletiva não é. Afirmar o que algo não é, certamente é um passo fundamental para desanuviar a incompreensão e iluminar o que está em oculto.
De início, uma ação coletiva não objetiva defender interesses individuais. Isso significa que uma ação coletiva não busca atender o direito de um demandante isolado, e sim de um grupo, que pode inclusive não ser determinado. Em consequência disso, uma ação coletiva ajuizada por uma associação, por exemplo, não tem por finalidade tutelar os interesses e direitos da própria associação, mas do grupo que ela representa.
Com isso, o bem da vida que pretende ser protegido ou conquistado por meio de uma ação coletiva não se limita à parte que a ajuíza, mas sim a uma coletividade.
Em decorrência, uma ação coletiva não necessariamente possui a delimitação exata daqueles que serão beneficiados por ela. Por exemplo, diante de uma ação coletiva ajuizada em face de um banco que desvia dinheiro público para o seu próprio lucro, quem serão os beneficiados? Certamente todos os cidadãos, inclusive o leitor, tendo em vista que o interesse protegido não é de um grupo em específico, é de toda a sociedade que foi lesada.
Com isso, é possível que uma ação coletiva seja ajuizada e proteja a nível nacional todos os brasileiros, e até mesmo interesses internacionais como em casos que envolvem o comércio transfronteiriço e questões ambientais. Assim, até mesmo você leitor que se depara com este texto pode estar tendo seu direito tutelado por uma ação coletiva que talvez você nem mesmo tenha conhecimento.
Uma ação coletiva por não defender o interesse de um indivíduo, mas de uma coletividade, não se destina a promover o enriquecimento daquele que a propõe, pois os valores requeridos como condenação são destinados para aqueles que foram lesados, ainda que não atuem ou ajudem no transcurso do processo, e para fundos que promoverão a defesa e os interesses da coletividade que foi prejudicada.
Uma ação coletiva também não é um fenômeno brasileiro exclusivamente, certamente em todos os ordenamentos jurídicos modernos, tais como o dos Estados Unidos, Inglaterra, e países da União Europeia e da América Latina, possuem instrumentos próprios para coletivamente tutelar os direitos de seus cidadãos e por vezes até mais avançados e garantistas.
Entretanto, cabe ressaltar que cada país possui suas peculiaridades e modos de promover tais ações. Entretanto, apesar de distintos as experiências internacionais servem e parâmetro para perceber a efetividade de tais demandas e auxiliam na promoção do acesso à justiça e efetividade e das leis.
No Brasil existe um rol de legitimados para cada tipo de ação coletiva que venha a ser ajuizada, sendo assim, não é qualquer pessoa ou grupo que querendo pode ajuizar a ação que pretender, existem requisitos legais a serem cumpridos.
Ademais, em nosso país as ações coletivas não se limitam a um único tipo. Temos, entre outras, a Ação Civil Pública, a Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo e o Habeas Corpus Coletivo. Cada uma dessas ações possui requisitos legais específicos e características próprias.
Por exemplo, a Ação Civil Pública tem um rol definido de legitimados, ou seja, aqueles que têm a prerrogativa de propor essa ação. Entre eles estão o Ministério Público, a Defensoria Pública, os entes da federação (União, estados e municípios), entidades da administração pública indireta e associações. Essas associações devem estar constituídas há pelo menos um ano e demonstrar atuação específica na defesa dos interesses em questão (como é o caso da Associação Brasileira de Defesa do Agronegócio, para a qual nosso escritório advoga). Já a Ação Popular, por sua vez, restringe a legitimidade para ajuizamento ao cidadão brasileiro, que age em defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.
Perceba, portanto, que cada ação coletiva possui características próprias e que qualquer conclusão rápida e desavisada pode levar a uma grande confusão que tem o potencial de gerar um grande dano, tendo em vista que não se tutela o direito de um indivíduo somente, mas de centenas de milhões de pessoas.
As ações coletivas, portanto, são tema sério que exige a atuação atenta dos operadores do direito e da sociedade civil, visando consolidar não somente os interesses que tratam a demanda, mas os próprios elementos fundantes da tecitura social do nosso país apresentados na Constituição e nas Leis da República. Tendo em vista que se diante de um grande grupo de interessados, que demonstram a gravidade do dano sofrido, não se tiver uma prestação jurisdicional efetiva, o que esperar quando um trabalhador sozinho pleitear ante um grupo econômico bilionário? De que valará a Constituição e as Leis se os pequenos não puderem demandar contra os grandes?
Diante do exposto, pode-se afirmar que a ação coletiva não é uma ação individual, sendo assim não protege os interesses de quem a ajuíza somente, mas de uma coletividade que pode inclusive não ser definida. A ação coletiva também não é um instrumento brasileiro somente, mas presente em diversos ordenamentos jurídicos e no caso brasileiro ela possui uma diversidade de tipos de ações cada uma com seus caracteres próprios.
Definir precisamente com todas as nuances o que é uma ação coletiva, certamente é um trabalho difícil, mas por ora o leitor certamente tem consciência daquilo que ela não é e a partir daí a compreensão se desenrolará de forma mais tranquila dentro da moldura aqui estabelecida.
Nesse ensejo, abro exceção para a definição por negativa para definir positivamente uma ação coletiva ajuizada pela sociedade civil: uma ação coletiva é o instrumento jurídico utilizado quando os que pouco podem sozinhos se juntam para coletivamente poderem mais contra aqueles que aparentemente tudo podem.
*João Arthur do Vale Pacheco é advogado do escritório João Domingos Advogados.