STJ decide que os prazos na recuperação judicial devem ser contados em dias corridos

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    A Lei de Falências e Recuperação de Empresas, de número 11.101/05, além de possuir dispositivos próprios que regulam os respectivos prazos, tem também as seguintes disposições no artigo 189: “Aplica-se a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei”, (grifos nossos). Assim, a nosso ver, naquilo que a Lei de regência nada dispusesse, e se necessário fosse, aplicar-se-ia as disposições do CPC, mas somente no que couber. Observamos que o citado artigo 189 menciona o CPC de 1973, pois quando a LFRE foi publicada (09.02.2005, com vigência em 09.06.2005), ainda vigiam as disposições processuais do antigo digesto, hoje revogado. Até então, a paz, quanto a prazos processuais, reinava altaneira no seio da Lei 11.101/05, que, com suas próprias pernas caminhava a passos largos, à exceção de raras aplicações subsidiárias do então CPC.

    Todavia, ao terem suas disposições revogadas pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, com vigência para um ano após (art. 1.045), este novo Código de Processo Civil modificou a regulação dos prazos, instituindo em seu artigo 219 as seguintes disposições: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis(grifamos). Houve, podemos assim dizer, uma completa revolução na contagem dos prazos, os quais, até então, eram contados desde o início,  incluindo-se os dias não-úteis posteriores. Para complicar mais a atividade dos operadores do direito, o Parágrafo Único deste artigo 219 instituiu que “O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.” Daí, por existirem prazos outros que não somente os processuais, como os materiais, os intérpretes, na aplicação da Lei, introduziram   teses quanto à forma que tais dispositivos seriam aplicados na LFRE, uns pugnando pela aplicabilidade dos prazos em dias corridos, e outros, se prazos processuais ou mesmo materiais, com aplicabilidades somente de dias úteis. Isto, especialmente sobre os prazos de suspensão das ações e execuções contra o recuperando após o deferimento do processamento da RJ e para a apresentação do plano de recuperação judicial, respectivamente 180 e 60 dias, segundo a Lei 11.101/05. A verdade é que, num curto período de tempo, diversos Tribunais de Justiça do nosso país tentaram encontrar um caminho único para a controvérisia, mas, debalde! Os pensamentos expressos em decisões foram os mais diversos possíveis. Isto significava que a questão tinha que chegar ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a última Instância para conhecer e julgar questões como a presente –, a questão infraconstitucional.

    E,  de fato, a questão chegou ao STJ, até mesmo mais rápida que quetões outras, embora não antes da hora, e já numa primeira decisão, entendeu-se que a contagem dos prazos de suspensão das execuções, assim como para a apresentação do plano de recuperação judicial deve ser feita em dias corridos e ininterruptos, segundo a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para o colegiado, esse entendimento atende melhor à especialização dos procedimentos dispostos na Lei 11.101/05, conferindo maior concretude às finalidades da Lei de Falência e Recuperação. Distribuído como Relator, no Resp 1.699.528/MG,  o eminente ministro Luis Felipe Salomão entendeu que  os prazos de 180 dias de suspensão das ações executivas em face do devedor e de 60 dias para a apresentação do plano de recuperação judicial, deverão ser contados de forma contínua, sendo inaplicável a contagem em dias úteis prevista no Código de Processo Civil de 2015.

    E justificou: “O microssistema recuperacional e falimentar foi pensado em espectro lógico e sistemático peculiar, com previsão de uma sucessão de atos, em que a celeridade e efetividade se impõem, com prazos próprios e específicos que, via de regra, devem ser breves, peremptórios, inadiáveis e, por conseguinte, contínuos, sob pena de vulnerar a racionalidade e unidade do sistema, engendrado para ser solucionado, em regra, em 180 dias depois do deferimento de seu processamento”, explicou o ministro.

    Ora, o próprio STJ sabe que, em decorrência da burocracia, da lentidão da Justiça brasileira, estes 180 jamais serão suficientes para a aprovação do plano de recuperação judicial, sendo este o prazo para as suspensões das ações e execuções em face do devedor/recuperando. Tanto é, que o próprio STJ, frente ao princípio da continuidade da atividade, editou entendimento, de certa forma tirando a força da Lei, ao dizer que o prazo dos 180 dias de suspensão das citadas ações e execuções não é peremptório, conforme sua Jurisprudência em Teses, Edição de número 35, Recuperação Judicial I, Enunciado de número 6, que diz: “O simples decurso do prazo legal de 180 dias de que trata o artigo 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005, não enseja a retomada automática das execuções individuais”. (grifos nossos).

    Finalizando seu entendimento, Luis Felipe Salomão diz que a aplicação do CPC/15 no âmbito do microssistema recuperacional e falimentar  “deve ter cunho eminentemente excepcional, incidindo tão somente de forma subsidiária e supletiva, desde que se constate evidente compatibilidade à natureza e ao espírito do procedimento especial, dando-se sempre prevalência às regras e princípios específicos da Lei de Recuperação e com vistas a atender o desígnio de sua norma-princípio disposta no artigo 47”. (grifamos).

    Agora, nos parece resolvida a questão, e, doravante, não mais terão razão os doutrinadores e os julgadores de instâncias inferiores, embora a não vinculação obrigatória a tal decisão, mas quem decidiu é quem tem a competência de dizer o direito infraconstitucional, ou seja, o STJ.

    Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial, do escritório Limiro Advogados Associados S/S. Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Editora Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito e atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br.