Vítima de violência que se apresenta socialmente como do gênero feminino tem direito à proteção da Lei Maria da Penha

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“Relação homoafetiva entre pessoas do sexo masculino, onde uma delas se apresenta socialmente como do gênero feminino, contando inclusive com nome social feminino e chamamento social desse mesmo gênero, possui direito à proteção da Lei Maria da Penha”.

Com esse entendimento, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) decidiu, num conflito de competência, que cabe ao 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Goiânia o julgamento de um pedido de medidas protetivas de urgência pleiteado por S.M.C (nome social Bruna) em desfavor de V.A.J. O voto foi relatado pelo juiz substituto em segundo grau, Aureliano Albuquerque Amorim, respondente no colegiado.

O pedido foi feito durante plantão forense de 1º grau, em 7 de novembro de 2019, pela suposta prática do delito tipificado no artigo 129, § 9º do Código Penal c/c Lei nº 11.340/06, tendo o juiz plantonista deixado de apreciar a solicitação, em razão do lapso temporal entre a data que as supostas agressões teriam acontecido, ordenando a distribuição normal do feito.

Com isso, os autos foram redistribuídos ao 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Goiânia que, declinando da competência, determinou a remessa a uma das Varas Criminais de Detenção da capital, sustentando a inexistência de hipótese de submissão, situação de vulnerabilidade ou caso de opressão à mulher numa perspectiva de gênero da vítima em relação ao acusado, vez que o fato foi praticado contra um homem por outro homem, ambos do sexo masculino.

Dessa forma, os autos chegaram à 1ª Vara de Detenção e Trânsito, tendo o Ministério Público de Goiás (MPGO) alegado que teriam sido cometidos crimes de injúria, ameaça e furto, pugnando pela sua redistribuição a uma das Varas de Reclusão. Na 2ª Vara Criminal o processo ficou cerca de dois meses, tendo o seu responsável determinando sua redistribuição a um dos juizados da mulher de Goiânia, por tratar-se de ilícito previsto na Lei Maria da Penha. Recebido pelo 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher este, por sua vez, o encaminhou ao 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que suscitou Conflito Negativo de Competência, determinando remessa do feito ao TJGO.

Proteção

O juiz substituto em segundo grau, Aureliano Albuquerque Amorim, pontuou que as relações homoafetivas já foram consideradas como entidade familiar pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 123/RJ e ADI 4.277/DF, “sendo perfeitamente possível a sua proteção, mesmo quando formada por pessoas do sexo masculino”. Prosseguindo, ressaltou que as previsões da Lei Maria da Penha se destinam tanto ao sexo como ao gênero feminino, situações nem sempre coincidentes, mas que ensejam a proteção legal informada.

Para ele, diante da clara possibilidade de aplicação das proteções da Lei Maria da Penha em face de pessoas de ambos os sexos, desde que se evidencie na vítima das agressões o gênero feminino, devemos aquilatar a situação com a dos presentes autos de conflito de competência.

Nome social

O magistrado pontuou que a vítima tem o nome de batismo S.M.C, do sexo masculino e, que, no entanto, ostenta o nome social de “Bruna”, sendo esta a alcunha pela qual é conhecida em seu meio social. Também destacou que nos documentos apresentados ainda na fase policial, as afirmações grotescas do agressor para a vítima, são expressões no gênero feminino.

“Diante disso, há clara situação em que a vítima, embora tenha o sexo masculino, possui gênero feminino, podendo assim, ser protegida pelas previsões da Lei Maria da Penha. Tendo em vista que o processo inicialmente remetido ao 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da comarca de Goiânia, este é o juízo competente para conhecimento do caso, devendo o conflito ser julgado improcedente”, finalizou o integrante da 3ª Câmara Criminal do TJGO. Processo nº0141640-61.2019.8.09.0175. (Centro de Comunicação Social do TJGO)