Decisão do STF pela constitucionalidade da compulsoriedade da vacina afeta as relações de trabalho

O ano de 2020, sem sombra de dúvidas, foi marcante para as relações de trabalho que tanto precisaram se adaptar às peculiaridades trazidas pelo Covid-19. Inúmeras alterações legislativas que, muito além, de meras letras de lei, transformaram totalmente a rotina, dinâmica, logística e ideologia das relações de trabalho. Grandes desafios foram impostos tanto à classe patronal quanto aos trabalhadores.

A recente decisão do STF, a respeito do art. 3º, III, ‘d’ da lei 13.979/2020 entendeu pela constitucionalidade da compulsoriedade da vacina. A discussão no plenário foi uma verdadeira aula sobre direitos individuais, fundamentais, coletivos e principalmente direito à saúde e a dignidade da pessoa humana.

Segundo entendimento do Supremo, diante da pandemia – grave e real ameaça à população mundial – a preservação da vida humana é objetivo crucial e, para tanto, devem ser aplicadas todas as medidas necessárias, observando-se, sempre, a proporcionalidade e razoabilidade do caso concreto. Certo é que deve prevalecer o princípio constitucional da solidariedade, pois o direito à saúde coletiva se sobrepõe aos direitos individuais, bem como a supremacia do interesse público sobre o privado.

O posicionamento do Supremo afeta diretamente as relações de trabalho e a postura que o empregador deve adotar com os seus empregados, sendo pertinente, então, o questionamento sobre a obrigatoriedade da vacina. A questão é deveras polêmica, até porque, facultou-se aos Estados, DF e Municípios a autonomia para realizar as campanhas de vacinação. Não se sabe, ainda, os calendários a serem adotados, apenas se sabe que a vacinação, “teoricamente” é obrigatória.

O ordenamento jurídico brasileiro, englobando a Constituição Federal, os Tratados Internacionais, as Convenções da OIT, a própria CLT, as NR´s, a atuação do MPT, MTE e a própria Justiça do Trabalho impõem radicalmente ao empregador o dever/obrigação de zelar pelo seguro e salutar ambiente de trabalho. Em tempos de pandemia, essa fiscalização elevou-se ao grau máximo, fazendo com que as empresas tomassem medidas extremas até a paralisação integral de suas atividades.

Sem sombra de dúvidas, ante a necessidade de preservação da saúde pública, a vacinação quando disponível para o grupo em que o empregado esteja incluído é considerada medida de saúde e segurança do trabalho. A vacina, obviamente, é o próximo passo dessa exigência.

É sempre importante lembrar que não se trata de alguém ser “arrastado” para aplicação, mas sim, as consequências ao contrato de trabalho. Conforme dito pelo próprio Supremo “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas”. Acaso o empregado se recuse a ser submetido à vacinação, há reflexos no contrato de trabalho?

Primeiramente, deve-se ter em mente que cada município publicará decretos com os calendários para vacinação obrigatória à sociedade, sabemos, contudo, que provavelmente, a disponibilização será gradual, por grupos de prioridade. Uma vez disponibilizada vacina ao grupo de empregados, a recusa do trabalhador em colaborar com as normas de saúde e segurança do trabalho configura ato faltoso (art. 158 da CLT), assemelhando-se, por exemplo, a recusa ao uso de EPC, sendo possível então a aplicação de punição nesse caso.

Mostra-se razoável, diante da recusa, a aplicação da suspensão do contrato de trabalho e, insistindo na negativa, a rescisão por justa causa. Entretanto, a problemática não se resume a essa objetividade e literalidade. Há inúmeros casos e percalços a serem enfrentados. Um empregado, por exemplo, que já possui comorbidades e não pode receber a vacina deverá sofrer justa causa? Deverá ser afastado às expensas do empregador? Pode trabalhar em home office? Possível dispensa pode ser intitulada como discriminatória? Caso o empregador forneça plano de saúde e o mesmo possibilite a vacinação antes do poder público, é obrigatória a vacinação antecipada?

Inúmeros casos, justificativas e situações não previstas na lei irão surgir,  isso é fato, diante de todo novo cenário fático e jurídico. Tanto o legislador, o poder público e o empregador deverão empenhar condutas legais primando sempre pelo Direito Coletivo à Saúde, entretanto cada caso é um caso e deve ser analisado como tal. Via de regra, a vacinação é obrigatória por questão de saúde pública, mas a realidade individual, em determinados casos deve ser avaliada, tentando ser mitigado/eliminado o risco para a sociedade.

O Judiciário terá papel importantíssimo e, já adianta-se, muito difícil, tratando-se de uniformização de entendimento, ante a peculiaridade das atividades empresariais, situações econômicas de cada localidade e, até mesmo pela ausência de calendário único de vacinação nacional.

Tempos difíceis hão de vir uma vez que, diante da legislação vigente e amplitude do tema, decisões das mais variadas vertentes deverão surgir. O que se espera é que, muito além do que pensar na individualidade de cada trabalhador, é necessário à classe patronal bom senso, razoabilidade, proporcionalidade, primar sempre pelo interesse coletivo sobre o individual na condução da atividade empresarial.