Indústria 4.0 e o futuro do trabalho

Ao longo dos anos, a tecnologia tem evoluído exponencialmente, proporcionando às empresas novas formas de trabalhar, com maior eficiência e aumento da produtividade. Mas é necessário compreender o papel que a tecnologia exerce sobre os empregos. Para tratar sobre o tema, tendo em vista a Quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0,  que a advogada trabalhista Bruna de Sá Araújo escreve hoje no Rota Trabalhista. Ela atua no Lara Martins Advogados., tem MBA em Ciências e Legislação do Trabalho pelo IPOG, é especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UFG e pós-graduada em Direito Previdenciário pela Fasam.

Leia a íntegra do texto:

Bruna de Sá Araújo

Em agosto de 2020, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) autorizou testes para entrega de produtos utilizando drones. Essa medida permitirá que o equipamento possa ser usado nos serviços de delivery, por exemplo. A implementação da tecnologia 5G e a popularização dos veículos elétricos indicam que, em um futuro não tão distante, carros autônomos circularão pelas ruas do país.

Em diversos supermercados e lojas de departamento já é possível pagar as compras em caixas totalmente eletrônicos, graças a uma tecnologia chamada “self checkout”, que permite que os próprios consumidores realizem as operações.

Atualmente máquinas agrícolas como tratores, colheitadeiras, pulverizadores e equipamentos de preparo do solo fazem o mesmo serviço que centenas de trabalhadores rurais, as betoneiras substituíram o penoso processo humano de misturar-se argamassa com pás e enxadas na construção civil, e os profissionais liberais utilizam softwares cada vez mais avançados, organizando e facilitando o desempenho das suas atividades profissionais.

Ao longo dos anos a tecnologia tem evoluído exponencialmente, proporcionando às empresas novas formas de trabalhar, com maior eficiência e aumento da produtividade. A Quarta Revolução Industrial, também chamada de Indústria 4.0, trata-se de um termo cunhado em 2011 na Alemanha, para descrever como isso irá revolucionar a organização das cadeias globais de valor, e que se propaga nas primeiras décadas do século XXI.

Entretanto, as tecnologias advindas da Quarta Revolução Industrial (Inteligência Artificial, robótica, IoT, veículos autônomos, drones, impressão 3D, nanotecnologia, Big Data, Blockchain) fez eclodir questionamentos sobre a empregabilidade nesse novo cenário, mais interligado e robotizado.

Apesar dos aspectos positivos produzidos no mundo do trabalho, como o aumento da produtividade, eliminação de desperdício de material, redução de trabalhos insalubres, penosos e perigosos, a implementação tecnológica vem diminuindo a utilização do “trabalho vivo” e causando um verdadeiro “desemprego tecnológico”, como se verifica em diversos setores da economia.

O economista Klaus Schwab[1] alerta que, até o momento, evidências apontam que a Quarta Revolução Industrial parece estar criando menos postos de trabalho nas novas indústrias do que as revoluções industriais anteriores, e tal fato poderia desencadear um desemprego tecnológico com proporções inimagináveis.

Um estudo realizado pela consultoria McKinsey[2], em 2017, estimou uma perda de até 50% dos postos de trabalho no Brasil em função do crescente uso de processos automatizados, tecnologia de informação e inteligência artificial, capazes de progressivamente substituir trabalhos rotinizados, até mesmo aqueles exercidos por trabalhadores altamente especializados.

O Ipea[3] demonstrou em um estudo realizado em 2019 que há dois cenários: “o primeiro é que as firmas no Brasil mantêm o seu mesmo padrão de contratação independentemente do nível de automação, (…) o segundo cenário é mais preocupante. Caso as empresas decidam por automatizar essas profissões com alta chance de automação, então aproximadamente 30 milhões de empregos estariam em risco até 2026”.

A questão relativa ao desemprego tecnológico, seja ele parcial (tecnologia substituindo algumas tarefas) ou total (tecnologia extinguindo completamente determinada profissão), é tema de grande debate nos últimos anos, contudo, ainda não há um consenso se haverá um desemprego em larga escala e/ou a criação de novos postos de trabalho.

Deveras, a inovação tecnológica e sua expansão nos processos de produção e prestação de serviços acarretam a destruição de alguns postos de trabalho, no entanto, resta saber se estes postos de trabalho extintos serão substituídos por novos empregos em uma atividade diferente, para atender novas necessidades da sociedade, preservando ou mesmo ampliando as proteções jurídico-trabalhistas.

O sociólogo Ricardo Antunes[4] defende a ideia de que o capital não se valoriza sem realizar alguma forma de interação entre trabalho vivo e trabalho morto, de modo que, ainda que ocorra uma expansão do maquinário tecnológico-científico-informacional, a mão de obra eminentemente humana ainda persistiria no mundo do trabalho.

Além de todos os direitos sociais trabalhistas assegurados aos empregados urbanos e rurais no art. 7º da Constituição Federal de 1988, há um importante direito dependente de regulamentação, em especial após o início da Indústria 4.0, trata-se do inciso XXVII que prevê “proteção em face da automação, na forma da lei”.

Em tempos de uma nova revolução tecnológica acrescido da maior pandemia viral do século, é necessário compreender os dois efeitos concorrentes que a tecnologia exerce sobre os empregos, primeiro há um efeito destrutivo que ocorre quando as rupturas alimentadas pela tecnologia e a automação substituem o trabalho por capital, forçando os trabalhadores a ficaram desempregados ou realocar suas habilidades em outros lugares. Em segundo lugar, pode-se definir o efeito destrutivo que vem acompanhado por um efeito capitalizador, em que a demanda por novos bens e serviços aumenta e leva à criação de novas profissões, empresas e até mesmo indústrias.

A maioria das profissões sofrerão impactos pela implementação tecnológica nos processos de produção e prestação de serviços. Diante deste quadro cada vez mais presente no nosso cotidiano, é fundamental construir uma proteção jurídica sólida ao trabalhador em face dos impactos provocados pela Industria 4.0, embasada nos direitos constitucionais, coletivos e internacionais do trabalho.

 [1] SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução: Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016, p. 45.

[2] MCKINSEY, Global Institute. Jobs Lost, Jobs Gained: Workforce Transitions in a Time of Automation, 2017. Disponível em: https://www.mckinsey.com/~/media/mckinsey/featured%20insights/Future%20of%20Organizations/What%20the%20future%20of%20work%20will%20mean%20for%20jobs%20skills%20and%20wages/MGI-Jobs-Lost-Jobs-Gained-Report-December-6-2017.ashx. Acesso em: 04 jan. 2021, p. 69.

[3] IPEA. Na era das Máquinas, o Emprego é de Quem? Estimação da Probabilidade de Automação de Ocupações no Brasil, 2019. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34650&catid=419&Itemid=444. Acesso em: 04 jan. 2021.

[4] ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018, p. 24.