Primeira infância: mobilização de juíza de Luziânia (GO) é reconhecida pela ONU

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Ações desenvolvidas no município de Luziânia (GO) para implementação dos direitos dos cidadãos de 0 a 6 anos estão sob a atenção dos participantes do 12º Fórum das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça. O evento, que tem como foco ações inovadoras para promoção de mudanças efetivas a partir da implementação de obrigações e responsabilidades relacionadas aos direitos humanos, tem prevista em sua programação a apresentação do Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI) deste município, próximo ao Distrito Federal, no qual vivem aproximadamente 211 mil pessoas.

O destaque internacional que a iniciativa da prefeitura alcançou está relacionada com a mobilização estabelecida para, de fato, transformar as ideias em ações. Luziânia é o primeiro entre os 246 municípios do estado a elaborar a partir da instituição de um comitê intersetorial e do diagnóstico da realidade local, o plano preconizado pela Lei 13.257 de 8 de março de 2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância.

Os vários setores das políticas públicas locais conseguiram firmar, formalmente, conforme escrito em 50 páginas, ações, compromissos e metas voltadas aos cuidados, à proteção e ao desenvolvimento de bebês e crianças de até 6 anos de idade, considerando suas famílias e comunidade. Segundo as evidências científicas, intervenções positivas neste período da vida são as mais promissoras para superação da desigualdade social e prevenção da violência.

A elaboração do PMPI resultou da mobilização de 21 instituições públicas e da sociedade civil organizada de Luziânia/GO, a partir de trabalho iniciado em janeiro deste ano, no município, sob inspiração do Comitê Goiano do Pacto Nacional pela Primeira Infância, Instituído em abril de 2022, eu por sua vez inspirou-se na iniciativa lançada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019.

A iniciativa conta hoje com a adesão de 352 instituições de todo o país, entre as quais o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), o primeiro do estado a assinar do Pacto. A Prefeitura de Luziânia é uma das mais recentes signatárias. Além do TJGO, o Comitê goiano conta com forte protagonismo do Tribunal de Contas do Estado, que se tornou referência para os demais tribunais de contas do país ao criar um painel com indicadores de monitoramento das situações de risco e vulnerabilidade na infância, entre outras iniciativas.

Integrante do Comitê goiano, a juíza responsável pela Vara da Infância e da Juventude da comarca, Célia Regina Lara, assumiu um papel essencial na mobilização das autoridades locais, que se engajaram na proposta de mudar o cenário de falta de oportunidades para o desenvolvimento saudável das crianças do município, o qual se tornou referência estadual, nacional e, agora, internacional.

Parceria

Magistrada há 10 anos, Célia Lara atua em Luziânia desde meados de 2015. Ela recusa ser reconhecida como a única responsável pela articulação que resultou no documento em que constam nomes de 21 autoridades, entre eles o prefeito, Diego Sorgatto, 33 anos, que nasceu no mesmo ano da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Faltava alguém no Executivo para dar liga e a procuradora municipal, Yasmin Melo Rodrigues, foi o ponto de junção. Ela é alguém que continua trabalhando para que o PMPI vire lei ainda neste ano”, diz a juíza. “Todo mundo gostava da ideia, mas estava tudo muito solto e o prefeito me indicou essa parceira”, explica.

Quando deu início às reuniões de sensibilização, para mobilização das autoridades de Luziânia, Célia adotou um método para fundamentar argumentos: o conhecimento da realidade da população. Esse conhecimento foi mito além do dia a dia no gabinete, esteve sempre apoiado em estatísticas sobre o acesso a vacinas, vagas em creches, mortalidade infantil, partos por meio de cesariana, entre outros. “É uma situação de vulnerabilidade e precariedade muito grande e, infelizmente, difusa, com crianças sem acesso a serviços públicos básicos, sem perspectivas de um crescimento integral, seguro, saudável e protegido, longe de violação de direitos, como por exemplo, graves problemas de saúde, inclusive, desnutrição”, descreve.

De posse dos dados, a juíza passou a promover encontros com os representantes das instituições. Primeiramente, as reuniões passaram a acontecer com periodicidade quinzenal, depois semanal até que, em abril, um decreto institui um comitê intersetorial. No mês seguinte, a prefeitura apresentou o PNMI. O plano, que ao se tornar lei orientará ações de seguidas administrações municipais, considera quatro eixos básicos: saúde, educação, promoção do desenvolvimento social e jurídico – esse último trata do acompanhamento das ações. “Penso que, como juíza, a minha função vai além de ficar no gabinete: participo, chamo, convoco e, claro, também cobro”, diz Célia.

Consultas

O sucesso na sensibilização, na conscientização e, enfim, na efetiva mobilização pelo bem das crianças de 0 a 6 anos foi para além dos limites de Luziânia e das divisas de Goiás. “Outros municípios começaram a se mobilizar e, até agora, recebi consultas sobre o nosso trabalho vindas de 11 colegas, de seis estados diferentes”, conta Célia Lara. “O PNMI me fez ver que é preciso mudar a ação jurisdicional para não permitir a perpetuação de uma situação ruim”, diz a juíza. “Por meio do convencimento, do incentivo, do apoio para fortalecer parcerias é possível criar uma rede de proteção e, hoje, vejo que política para a primeira infância também é responsabilidade do Poder Judiciário.”

Nesta semana, em Genebra, a 8,8 mil quilômetros de Luziânia, o trabalho da magistrada terá, mais que uma testemunha, um defensor, o responsável pela inscrição do PMPI para apresentação no 12º Fórum das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. “A juíza Célia foi a chave que abriu todas as portas para que pudéssemos fazer a pactuação do plano na nossa cidade, ela foi a precursora da ideia e uma peça fundamental para toda essa construção”, conta o secretário de Educação do município, Tiago Machado, que representa a prefeitura na Suíça.

“O incentivo, a empolgação e o dinamismo dela foram essenciais para colocar o sonho no papel”. As ações propostas no plano municipal já estão em execução, como a abertura de uma nova creche, nas próximas semanas, que representará o acesso à Educação Infantil para 400 crianças.

Em Goiás, o Comitê Goiano do Pacto Nacional pela Primeira Infância, que tem o TJGO à frente, se reúne com periodicidade mensal, na sede do tribunal. “Esses encontros resultaram na apresentação de plano de incentivo à elaboração pelos municípios dos seus PMPI”, conta a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Rebeca de Mendonça Lima, gestora adjunta do Pacto Nacional pela Primeira Infância, no CNJ. (CNJ)