Para especialistas, regras da Anac que permitem cobrança de bagagens é retrocesso. MPF também vai questionar mudanças na Justiça

Advogado goiano Oto Lima Neto, especialista em Direito do Consumidor.

Wanessa Rodrigues

As novas regras aprovadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para o transporte aéreo aprovadas têm gerado polêmica, principalmente no que diz respeito às franquias de bagagens. A Resolução n° 400/2016, autoriza as companhias aéreas a cobrarem pela bagagem despachada em voos nacionais e internacionais. As mudanças são válidas a partir de 14 de março do ano que vem.

A Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal (MPF) decidiu, durante sessão extraordinária realizada ontem (13), que o órgão deve entrar com ação judicial para questionar a legalidade e a constitucionalidade das novas regras para o transporte aéreo aprovadas pela Anac. Para o MPF, a cobrança pela bagagem representa um retrocesso legal, viola o direito do consumidor e não garante os supostos benefícios anunciados, como a redução das tarifas das passagens.

A ação judicial será proposta pelo procurador-chefe do MPF em São Paulo e coordenador do Grupo de Trabalho Transporte, vinculado à Câmara de Coordenação e Revisão, procurador da República Thiago Nobre.

O presidente do conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, também não descarta uma eventual judicialização da pauta, caso a Anac não reveja sua posição. Parecer elaborado pela Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB, aponta situações em que a resolução fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Atualmente, cada passageiro pode levar uma mala de 23 quilos nas viagens dentro do Brasil e até duas malas de 32 quilos para voos para o exterior. Com a nova norma, os passageiros somente poderão levar a bagagem de mão de forma gratuita nos voos domésticos. Nesse caso, o peso máximo passa dos atuais 5 quilos para 10 quilos.

Relação desigual
O presidente da OAB nacional explica que o parecer demonstra que o resultado dessa resolução será uma relação desigual entre passageiros e empresas na contramão do que estabelece a própria Constituição. “Além disso, não há qualquer garantia de que os preços das passagens serão reduzidos, justificativa usada pelas companhias para defender essa mudança”, afirma Lamachia.

O advogado goiano Oto Lima Neto, especialista em Direito do Consumidor, vê a cobrança pelo despacho de bagagens é como grande retrocesso para o consumidor brasileiro. Ele ressalta que, embora essa prática já seja adotada em vários países, no Brasil, será mais instrumento para o ávido percurso pelo lucro das companhias aéreas. “É difícil acreditar que as resoluções editadas pela Anac venham realmente a beneficiar o consumidor”, diz.

A Anac argumenta que a cobrança por bagagens despachadas, como estabelece a resolução, contribuirá para a queda nos preços. Porém, Oto Lima Neto observa que, se realmente o propósito for a redução do preço das passagens aéreas, a agência deve explicitar regras específicas a serem seguidas pelas companhias quanto à tarifação. Concomitantemente, estabelecer que o reajuste dos preços ficaria limitado ao índice acumulado da inflação, além de possibilitar o desconto proporcional nos preços das tarifas àqueles que não utilizassem os limites de franquia de bagagem atualmente definidos.

Questionamentos
Apesar de considerar prejudicial ao consumidor, Oto Lima Neto diz que a resolução da Anac tem um ponto importante: o aumento de 5 para 10 quilos do peso máximo das bagagens de mão, por passageiro. Ao mesmo tempo, o especialista diz que esta mudança gera uma preocupação e um questionamento: as aeronaves possuem espaço suficiente para abarcar estas bagagens de mão?

Pelas novas regras, o consumidor terá 24 horas para desistir da compra da passagem sem ônus, no caso de passagens compradas com mais de sete dias antes da data do voo. Para o advogado, a mudança do prazo de direito de arrependimento, pode ter duas variáveis. É que, de acordo com o artigo 49 do CDC, se a passagem aérea for adquirida pela internet ou por telefone, o consumidor poderá desistir até sete dias após a contratação, independentemente da data de embarque.

“Aplicando-se a nova regra da Anac, o consumidor somente seria beneficiado quando adquirisse a passagem área com mais de oito dias de antecedência, o que se revela inaceitável e viola literalmente as regras protetivas do CDC”, explica.

Para o especialista, a Anac deveria se preocupar, primeiramente, com a qualidade do transporte e a segurança e a saúde do consumidor, estabelecendo, por exemplo, tamanhos minimamente aceitáveis dos assentos, dos encostos e do espaço útil na aeronave. Conforme observa Oto Lima Neto, atualmente o desconforto é enorme e, dependendo do tempo de voo, chega a ser desumano viajar de avião.

Serviço acessório
O parecer elaborado pela Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB destaca que, caso entre em vigor, a resolução deixará o consumidor a mercê das políticas que as companhias aéreas queiram praticar. O transporte de bagagens fica caracterizado como serviço acessório. “Com isso, não existiria nenhum regulamento, portaria e até mesmo Lei para normatizar tais valores cobrados, o que deixaria o consumidor sem nenhuma proteção quanto ao preço a ser cobrado por estes serviços”, diz o documento.

“Assim, além de colocar o consumidor em desvantagem, estará deixando-o desprotegido, pois não haverá nenhuma regulamentação acerca das franquias de bagagem”, afirma o relatório. O texto destaca ainda que a ideia de acabar com a franquia e reduzir o custo do bilhete não é justificável, pois essa diminuição do preço implicará em perda da qualidade dos serviços, pois o que será diminuído no valor da bagagem o consumidor terá que pagar nos serviços acessórios para despacho.

Sem argumentos
Os membros da Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do Ministério Público Federal (MPF) ressaltaram que o posicionamento o órgão contra a supressão da franquia de bagagem foi exposto em todas as consultas públicas realizadas pela Anac, por não trazer qualquer benefício ao consumidor. Segundo o subprocurador-geral da República José Elaeres Teixeira, “nenhum argumento novo foi apresentado pela agência para sustentar a drástica alteração das regras atuais sobre franquia de bagagem e outros direitos assegurados aos consumidores de serviços aéreos”.

 

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