Juiz de Anápolis suspende penhoras do Bacenjud por medo de incorrer em conduta típica da Lei de Abuso de Autoridade

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Wanessa Rodrigues

A Lei de Abuso de Autoridade (13.869/2019) ainda não entrou em vigor, mas já começa a causar efeitos na atuação de magistrados. Em Goiás, o juiz Eduardo Walmory Sanches, da 1ª Vara Cível de Anápolis, suspendeu todas as penhoras do Bacenjud por medo de incorrer em conduta típica prevista no artigo 36 da referida lei. O artigo prevê como abuso “decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la”.

“Enquanto a matéria não for apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no tocante a constitucionalidade da norma, ou na fixação do que seria um prazo razoável para corrigir o bloqueio que o próprio sistema digital pode fazer em excesso sem a participação do magistrado, entendo que todos os pedidos de penhora online Bacenjud devem ser rejeitados”, disse o magistrado em decisão dada nesta quinta-feria (26/09) em pedido de penhora.

Juiz Eduardo Walmory Sanches

Ao fundamentar sua decisão, o magistrado explica que não há fixação de prazo para correção do eventual excesso, que sempre ocorre porque o sistema digital Bacenjud não diferencia valores penhorados. E, sem qualquer interferência do magistrado, está programado para bloquear todas as contas e ativos financeiros do executado, incluindo conta-salário, conta poupança (que, por evidente são impenhoráveis).

O magistrado salienta que, quando ocorre a penhora de valores a maior, existe a possibilidade real de demora em razão da logística do próprio sistema operacional. Porém, a Lei do abuso de autoridade exige devolução imediata. O juiz observa que, uma vez realizado o bloqueio, não há como simplesmente devolver imediatamente o dinheiro ao executado. Isso porque, o sistema exige a realização de transferência de conta para conta judicial e depois alvará ou TED para devolução.

“Revela-se humanamente impossível, na prática, a utilização desse sistema operacional de bloqueio de ativos financeiros sem que ocorra o perigo real ao magistrado de responder pelo crime de abuso de autoridade”, observa. O magistrado lembra, ainda, que existe a ordem cronológica dos processos e, numa vara com quase 6 mil processos, caso ocorra essa situação, revela-se impossível o desbloqueio imediato de valores.

“Considerando que, na prática, no dia a dia forense, é impossível a devolução imediata e, em alguns casos pode demorar meses, a nova lei de abuso de autoridade inviabilizou a continuidade da penhora eletrônica de ativos financeiros, sob pena do magistrado ser prejudicado e perseguido. Imagine uma vara cível com seis mil processos e, portanto, em tese, seis mil execuções. Imagine o que irá ocorrer com o juiz ao descumprir o artigo 33 da citada legislação. Inúmeros processos criminais por abuso”, diz em sua decisão.

Em Brasília
Em Brasília, o juiz substituto Carlos Fernando Fecchio dos Santos também negou penhora via Bacenjud por vislumbrar possibilidade de incorrer na conduta típica do artigo 36 da Lei de abuso de autoridade. Para o magistrado, é questionável a constitucionalidade da norma por ferir a garantia fundamental do princípio da legalidade, em seu aspecto material. Disse ainda que, na prática diária, onde o juiz é responsável pela condução de milhares de processos, nem sempre é rapidamente visualizado e corrigido o exagero desnecessário de tais gravames.

Processo número: 00742599720158090006