Especialistas falam sobre distrato em contratos de compra e venda de imóveis, que teve aumento com a crise econômica

Wanessa Rodrigues

O prolongamento da crise econômica do país tem refletido no aumento de desistências nas operações de compra de imóveis novos em todo o país. Consumidores que enfrentam dificuldades para quitar financiamentos têm recorrido às resilições, chamadas popularmente de distratos. Para se ter ideia disso, somente em 2016, o total de distratos foi de 37.702 unidades, segundo dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

Apesar do número crescente de distratos, ainda não há no país regulação legal específica que trate sobre a desistência em contratos de compra e venda de unidades imobiliárias. O artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) concede ao comprador o direito de pedir o distrato no caso de compra de um imóvel. Mas o problema é que a lei não especifica o quanto deveria ser devolvido para o comprador, apenas cita que a construtora não pode reter 100% dos valores pagos pelo consumidor.

Advogado Eduardo Borges Sávio

Para especificar esse percentual, o setor imobiliário pede a elaboração de uma medida provisória pretendendo impor regra que autorize a retenção de até 80% dos valores pagos pelos adquirentes.  Hoje, esse percentual gira em torno de 25%. Porém, enquanto a questão não é regulamentada, a falta de entendimento sobre o tema tem gerado conflitos entre os consumidores e as construtoras. E, quando o distrato não ocorre de forma amigável, a consequência tem disso o aumento do número de ações judiciais.

O advogado especialista em Direito Imobiliário, Eduardo Borges Sávio (leia no link abaixo a entrevista completa dele ao Rota Jurídica), diz que, quando as partes não conseguem conciliar seus interesses e o distrato não se revela a solução, o Judiciário é quem tem a função de decidir a matéria, seja pela ação de resolução do contrato proposta pelo construtor ou pelo consumidor. Porém, tendo em vista o vazio legal sobre a matéria, na prática o que se tem visto são distratos celebrados de acordo com o entendimento dos Tribunais (jurisprudência).

O especialista explica que, caso o fornecedor, ou construtor, seja o responsável pelo fim do contrato, por atraso na entrega da obra ou outro motivo, a jurisprudência tem entendido que deve ser efetuado o ressarcimento imediato das parcelas pagas (nela inclusa a comissão de corretagem a depender do contrato) e sem abatimento. Quando o consumidor é o culpado pela resolução do contrato, a jurisprudência tem apontado para a restituição dos valores, autorizando o abatimento, pelo construtor, de parte dos valores pagos para cobrir despesas administrativas e de comercialização do imóvel.

Negociação
Porém, antes de optar pelo distrato, o advogado diz que o consumidor deve tentar negociar com a construtora, caso haja interesse em continuar pagando as parcelas do contrato ou queira receber o imóvel. Conforme diz, a atual conjuntura do mercado, é possível que um bom acordo para as partes seja encontrado. “Caso não seja favorável a negociação, que seja consultado um advogado especialista no assunto, pois, somente assim, poderá ser feita uma análise criteriosa do contrato a fim de assegurar os direitos eventualmente cabíveis ao consumidor e à incorporadora”, diz. 

Medida provisória

Advogada Jéssica Policena Peres

Para o Eduardo Borges Sávio, uma MP ou lei ordinária que venha a regulamentar a matéria e pacificar o assunto, deve ser erigida, levando em consideração os interesses de todos os envolvidos (construtoras, incorporadoras, consumidores e sociedade). Para ele, uma retenção de 80% do valor pago se aplicada de maneira genérica, a depender do caso e da conduta do consumidor, implicará numa punição desmedida e desarrazoada.

Ele reafirma que há que se considerar o escopo da norma e discutir, por exemplo, se ela mediria com a mesma régua o consumidor que cumpre tempestivamente com a sua obrigação de pagar, mas que não quer levar o contrato adiante; enquanto, de outro lado, há aquele que sempre atrasou os pagamentos, já está em posse do imóvel e pretende desfazer o contrato e reaver os valores pagos. “Certamente, que o legislador terá um trabalho árduo para encontra o ajuste fino entre a norma e a realidade social”, diz.

Avaliação
A advogada Jéssica Policena Peres (leia no link abaixo a entrevista completa dela ao Rota Jurídica), também especialista em Direito Imobiliário, observa que, como inexiste uma regulamentação específica sobre o tema, inicialmente, o consumidor deverá verificar em seu contrato de compra e venda se há cláusula contemplando a forma com que o pedido de distrato deverá ser formulado e as condições para tal.

A advogada ressalta que, atualmente, há apenas jurisprudências e súmulas que consolidaram a avaliação de que é abusiva e ilegal a retenção integral ou a devolução ínfima das parcelas pagas pelo comprador pelo imóvel adquirido na planta. Sendo que esse ponto foi ratificado em 2013 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Embora reconheça a necessidade premente de uma regulamentação eficaz, que traga transparência inclusive à questão, do ponto de vista legislativo, a advogada vislumbra que a eventual edição de medida provisória, embora mais ágil e com efeitos imediatos, estaria revestida de uma relativa fragilidade.

Para ela, a tramitação regular de um projeto no Congresso Nacional seguramente traria mais legitimidade e segurança jurídica. “As adaptações podem ser implementadas, mas sem o radicalismo que se ora observa intentado, sob pena de se verem nascer afrontas ao CDC e a preceitos constitucionais”, diz.

Conselho
A advogada orienta o consumidor que for adquirir um imóvel na planta, a analisar muito bem o contrato ou procure um advogado para lhe informar quais os seus riscos na eventualidade de rescindi-lo. “Além disso, ter ciência de que, ao contratar a compra de um imóvel novo (na planta) corre o risco de ter perdas financeiras caso desista do negócio”. Ela lembra, ainda, que O distrato para extinguir as obrigações estabelecidas em um contrato anterior deve ser solicitado até a entrega das chaves. Após isso, o comprador toma posse do imóvel e não é mais possível devolver o bem à construtora.

Entrevista Jéssica Peres

Entrevista Eduardo Sávio