Escola que negou matrícula a estudante com déficit de atenção não cometeu discriminação, entende TJGO

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade, seguindo o voto do relator, desembargador Alan Sebastião de Sena Conceição, reformou decisão de primeiro grau que havia condenado um colégio por suposto ato discriminatório ao não aceitar renovação de matrícula de um estudante portador de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Caso

A mãe do menor, por orientação de psicóloga, matriculou a criança no colégio por volta do segundo semestre de 2010, para cursar o 1º ano do ensino fundamental, e em 2011 cursou o 2º ano, sendo ao final do ano letivo aprovado. A psicóloga indicou o colégio por entender que seria um ambiente mais preparado para receber alunos portadores de TDAH. Segundo os pais, durante todo o período em que a criança estudou na escola a genitora sempre participou de sua vida escolar, ajudando nos deveres e frequentando reuniões.

iStock-594078328No final de setembro de 2011, a escola solicitou aos pais um acompanhamento médico com profissional indicado pela instituição. Atendendo ao pedido, a mãe consultou o médico, em Goiânia. Durante esse período, a criança ficou suspensa por duas semanas até que apresentasse o parecer médico. A mãe alegou que cumpriu todas as exigências feitas pela escola, inclusive encaminhando todos os exames e relatórios médicos à diretora. Os documentos apontaram que a criança é portadora de TDAH e que o tratamento seria feito com o médico anteriormente indicado, mas que os resultados seriam lentos, conforme laudo anexado ao processo.

Desde então, o menor foi acompanhado por médico especialista em neurologia e paralelamente por uma psicóloga. Por volta do último mês de aula, a direção exigiu que a mãe levasse e buscasse a criança, alegando que ela não poderia ser conduzida pelo transporte escolar. Em dezembro de 2011, a genitora foi comunicada através de carta de acompanhamento do aluno que seu filho é uma criança esperta, inteligente, obtém ótimo desenvolvimento, porém apresenta dificuldade de relacionamento psicossocial, o que resulta em baixa aceitação dos colegas e que a escola não obteve resultados satisfatórios com o aluno.

Ao final de dezembro, o pai do menor se encaminhou a escola para efetivar a matrícula escolar. Ao fornecer o nome de seu filho, não foi possível realizar o procedimento, pois havia uma restrição no nome do aluno no sistema, informando que o genitor deveria falar com a diretora antes da matrícula. Ao falar com ela, o pai foi informado que não poderia matricular seu filho na instituição de ensino e que deveriam procurar outra escola, uma vez que o colégio não aceitaria mais o menor como aluno, pois, “já tinham tentado de tudo”.

O pai se sentiu discriminado e indagou por qual motivo não poderia matricular seu filho na escola, e informou que apesar de a criança precisar de tratamentos não poderia ser impedido de estudar na escola. Assim, os pais procuraram outra instituição e conseguiram matricular o filho.

Processo

Na petição inicial, a genitora do menor defende a tese de que a recusa da matrícula ocorreu por ato discriminatório, uma vez que a criança possui TDAH. Ressaltou, ainda, que ela e o marido cumpriram com todas as exigências da escola, tendo até mesmo encaminhado o menor para avaliação e acompanhamento com profissional qualificado.

A instituição de ensino, por sua vez, alegou que a recusa da matrícula da criança, diferentemente do pontuado pelos pais, não teve como causa determinante o TDAH, pois, inclusive tem outros alunos com o mesmo transtorno de atenção. Declarou ainda que a real motivação da recusa da matrícula se deu em razão do comportamento arredio do aluno, de sua dificuldade em cumprir ordens dos professores e agressão a colegas, e devido a comportamento hostil da genitora da criança.

Ao analisar o caso, o juízo de 1º grau condenou o colégio a indenizar a criança no valor correspondente a R$15 mil, a título de danos morais, acrescido de juros legais e correção monetária devidamente atualizada pelo INPC a contar da data da sua fixação, ressaltando que a quantia ficaria depositada em conta judicial até o menor alcançar a sua maioridade civil. Ao final, direcionou ainda ao colégio a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, sendo estes no percentual correspondente a 15% sobre o valor da condenação.

Os pais entraram com recurso sugerindo o valor de R$62,2 mil e a sua imediata liberação, antes do alcance da maioridade penal da criança. O colégio, também inconformado com a condenação, entrou com processo de apelação cível alegando a não existência do dano moral a justificar a procedência do pedido de indenização e, alternativamente, a redução do valor fixado, sob o argumento de que teriam sido violados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O relator do processo no TJGO, desembargador Alan Sebastião Sena Conceição, destacou, inicialmente, que o ato de recusa de renovação da matrícula, por si só, não configura dano moral, pois, trata-se de instituição de ensino particular, a qual, embora esteja vinculada ao cumprimento das normas gerais da educação nacional possui liberdade para que seja escolhida uma entre as várias hipóteses previstas pela lei e Constituição sobre determinado assunto. Especificou ainda que no momento referido pelos pais, em que haveria ocorrido fato danoso, na própria petição inicial consta que o pai foi encaminhado à diretora da escola e, de forma reservada, foi comunicado que deveria procurar outra instituição de ensino, não havendo, portanto, nenhum excesso por parte da escola.

Ficou esclarecido, conforme o desembargador, que não há nos autos qualquer indício de ato discriminatório por parte do colégio, pois, do ato de encaminhamento médico, onde a escola solicitou que os pais levassem a criança para avalição com especialista, e da carta enviada aos pais informando a ausência de resultados satisfatórios durante o ano letivo de 2011, há demonstração de que a escola não mediu esforços na tentativa de integrar a criança.

O magistrado também pontuou que o colégio em questão trabalha com outros alunos com TDAH, o que leva a crer que mantém postura de inclusão em relação às crianças com tal diagnóstico. Ele frisou que o ato de suspensão do aluno das aulas até o cumprimento da solicitação de encaminhamento para avaliação médica também não configura ato discriminatório pois o colégio apresentou justificativas para a medida adotada, tendo em vista as dificuldades de integração da criança na escola.

O desembargador ainda ressaltou que os pareceres neuropsicológico e psicopedagógico ratificaram que o menor possui “quadro psicoemocional fragilizado, com níveis de ansiedade acentuados e dificuldade de controle inibitório. De acordo com os testes projetivos, o menor apresenta resistência em lidar com sentimentos, emoções, vivência e dificuldade de elaboração com figuras de autoridade deslocando para impulsos desafiadores de oposição”.

Em vista de todas as circunstâncias, o magistrado ponderou que ficou provado que o colégio não cometeu nenhum ato ilícito e que não há provas suficientes de que o menor tenha sofrido dano moral, ficando assim negado o pedido de indenização, uma vez que não existe nenhum indício de que a criança sofreu abalo emocional com a mudança de colégio. “Cuidadosamente, vislumbra-se das citações da vida cotidiana do menor que sua vida escolar teve plena continuidade e em nada lhe afetou a mudança de escola, uma vez que até seus rendimentos foram os mesmos”, declarou o representante da Procuradoria Geral de Justiça, Eduardo Abdon Moura, em parecer anexado ao autos.

Sucumbência

O desembargador então julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais, inverteu a distribuição do ônus sucumbencial, a fim de atribuir a responsabilidade a parte autora (representantes do menor) e fixou os honorários advocatícios em R$2 mil, contudo, ressaltou que fica suspensa a exigência dessa verba, ante a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça ao requerente. Votaram com o relator o juiz substituto em segundo grau Roberto Horácio de Rezende e o desembargador Francisco Vildon José Valente. Fonte: TJGO