Envio de cartão de crédito não solicitado pelo consumidor configura prática abusiva e gera indenização

Wanessa Rodrigues

A partir de agora, conforme o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o envio de cartão de crédito não solicitado pelo consumidor configura prática abusiva, ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa. O entendimento, que consta da Súmula 532, publicada no último dia 8 de junho no Diário da Justiça, foi firmado após vários precedentes julgados pelo tribunal, envolvendo pessoas que receberam os cartões e entraram na Justiça para pedir indenização pela cobrança indevida de taxas.

Oto Lima Neto
Para o advogado Oto Lima Neto, a Súmula 532 repercutirá positivamente para todos os consumidores.

No caso mais recente julgado pelo STJ, uma consumidora pediu ao banco um cartão de débito, mas recebeu um cartão de múltiplas funções. Por decisão dos ministros, a instituição financeira foi condenada a pagar R$ 158 mil de indenização, mesmo alegando que a modalidade crédito estava bloqueada. A ilegalidade do envio também está prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que considera prática abusiva enviar ou entregar ao consumidor qualquer produto sem solicitação prévia.

O advogado Oto Lima Neto, especialista em Direito do Consumidor, diz não ter dúvidas de que a Súmula 532 repercutirá positivamente para todos os consumidores. Pelo seu teor, segundo explica, o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação, configura, por si só, o dever de indenizar, sendo desnecessária a comprovação de prejuízos, cobranças ou mesmo restrições creditícias. Para ele, a presunção de dano moral e a expressa previsão de sujeição à multa administrativa são situações que contribuirão para dissuadir os fornecedores da prática abusiva.

O especialista acrescenta que, ao editar a súmula, o STJ acabou por tutelar o direito de todos os consumidores na fase pré-contratual, atuando em franca harmonia ao princípio da boa-fé objetiva, eticidade e transparências nas relações jurídicas. A rigor, ficam os consumidores protegidos das reais consequências danosas originadas do envio de cartão de crédito não solicitado, como o recebimento de cobranças de despesas não realizadas, anuidades, seguros, bem ainda restrições creditícias impostas junto aos bancos de dados de consumo.

Antes da aprovação da Súmula 532, conforme ressalta o advogado, a dificuldade de se propor uma ação judicial era justamente a necessidade de demonstração do prejuízo. Agora, basta o recebimento de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação para a configuração do dano moral presumido. Oto Lima Neto lembra que o artigo 39, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), é textual ao preconizar que “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço”.

“Em assim sendo, é inegável a ilicitude da conduta e o dano moral decorre dos incômodos ocasionados pelo recebimento de produto sem prévia solicitação”, ressalta o especialista.

Dano moral
Oto Lima Neto explica que o reconhecimento do dano eminentemente moral, que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a intimidade, o bom nome, dentre outros, acarretam ao lesado sentimentos de dor, sofrimento, tristeza, revolta, vexame e humilhação. A angústia e a aflição espiritual decorrentes do recebimento de produto não solicitado (cartão de crédito), com intensa e presumida dificuldade para se obter o devido cancelamento, extravasa, em muito, a seara do mero aborrecimento, vulnerando o disposto no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, artigos 186 e 927 do Código Civil Pátrio, e artigos 6º, inciso VII, e 14, do Código de Defesa do Consumidor.

Para o especialista, a súmula poderá contribuir, também, para fazer cessar situações bem parecidas e não menos prejudiciais aos consumidores, como a difundida e reiterada venda casada de seguro e garantia estendida, especialmente pelas empresas de telefonia e lojas de eletrodomésticos. “Compreendo que a oferta destes produtos sem prévia solicitação do consumidor equivale à situação jurídica tratada na súmula, e, via de consequência, também rende ensejo à indenização por danos morais presumidos”, completa.

Recomendação
Apesar do respaldo, o advogado lembra que, na prática, infelizmente, a maioria dos consumidores não reclama seus direitos junto ao Poder Judiciário, incluindo o recebimento de cartão de crédito não solicitado. Oto Lima Neto diz que o desconhecimento dos consumidores acaba fomentando ainda mais o abuso das instituições financeiras e administradoras de cartão de crédito.

O especialista orienta que, em casos como o de recebimento de cartão não solicitado, o consumidor deve procurar um advogado para a adoção das medidas judiciais cabíveis (indenização por danos morais), assim como promover reclamação junto aos órgãos protetivos de consumo (Procon) objetivando a imposição de multa administrativa.