Princípios Penais no Estado Democrático de Direito

Leitura obrigatória para os todos os profissionais da defesa criminal que, assim como eu, entendem que a grande missão dos criminalistas é a de constranger o poder arbitrário e controlar o poder punitivo estatal, a obra “Princípios Penais no Estado Democrático de Direito”, do Jurista Marcelo Semer, figura entre as principais para a formação dos/das Advogados/as Criminalistas.

Em pouco mais de 200 páginas, o autor consegue, mesclando densidade e simplicidade, descrever os pilares sobre os quais o Estado Democrático de Direito é erigido e o papel dos princípios face o exercício do poder punitivo deste mesmo Estado – que, sempre é bom reafirmar, se assenta sobre um marco fundante de cariz não autoritário: a CF/88.

Para o autor, o primeiro dos pilares guarda relação com o “arcabouço do estado liberal”, caracterizado pela “reunião de direitos vinculados à realização da liberdade ou direitos humanos de primeira geração”. Entre esses direitos, segundo o autor, é possível considerar o direito de ir e vir, o direito à liberdade de expressão, o direito de reunião, o direito de manifestação e a inviolabilidade do domicílio.

O segundo reside na “conformação do Estado Social”, do que decorre a existência de “prestações positivas que o Estado assume como função sua, tendo como principal diretriz a redução das desigualdades marcada como objetivo fundamental da república” (art. 3º, III da CF/88). Segundo este pilar, ainda que o constituinte tenha assegurado os valores sociais da livre iniciativa e garantido a propriedade privada, “baluartes do Estado capitalista”, o direito penal do estado democrático de direito não pode servir à instrumentalização de indivíduos ou de seus direitos.

Ainda, para Marcelo Semer, o terceiro pilar consistente em compreender “a democracia não apenas como regime da maioria, mas como governo sob a égide de direitos fundamentais concebidos como cláusula de proteção do indivíduo”. Para o autor, “a democracia deve ser vista como fórmula a viabilizar a deliberação política, mas, sobretudo, considerando que os direitos fundamentais não podem ser interpretados no interesse da sociedade, mas prezando-se a esfera de proteção do indivíduo.” Nesse sentido, impressões pessoais como a de que “o judiciário não pode prestigiar formalismos em defesa do criminoso”, devem ser considerados incompatíveis com a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito.

O quarto pilar sobre o qual se assenta o Estado Democrático de Direito é o da “adesão ao sistema internacional de direitos humanos”, do qual decorre a “internacionalização de direitos e a soberania dos direitos humanos sobre as estruturas de poder”. Como exemplo da importância deste pilar na tarefa de constrangimento do poder arbitrário, basta considerar que os maiores avanços em matéria penal e processual penal processados pelo Superior Tribunal de Justiça nos últimos anos tiveram origem em decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Tribunal a cuja jurisdição o Estado brasileiro se submete.

Para o autor, em resumo, “o Estado Democrático de Direito mantém as garantias do Estado Liberal (ou Estado de Direito), incorpora a luta contra a desigualdade do Estado Social, articulando-se sobre os paradigmas da democracia constitucional, do pluralismo e da dignidade humana, abrindo-se ao Sistema Internacional de Direitos Humanos, sem que reconheça um entrave à sua própria soberania. “O Estado Democrático de Direito tem, assim, uma dimensão antropocêntrica, justamente por se ancorar na dignidade da pessoa humana”, disserta Marcelo Semer.

Segundo o autor, “é daí que decorre o sentido do direito penal da dignidade humana num estado democrático de direito, do que também decorre a tarefa de conhecer e reinterpretar os princípios e fazer cumprir sua função normativa e referencial de modo que sirvam para iluminar os conceitos da dogmática e da práxis criminal”.

Por tudo isto que, citando Silva Franco, o autor conclui que “um direito penal democrático jamais pode se reconhecer desenfreado e arbitrário”.

[1] O spoiler se limita à introdução do livro. No decorrer da obra o autor discorrerá sobre o estado democrático de direito e a dignidade da pessoa humana, abordando cada um dos princípios em espécie e discorrendo sobre aqueles deles decorrentes; fazendo referência aos mandados de criminalização e ao papel do juiz na tutela dos princípios.

[2] O ensaio foi escrito a partir do livro “Princípios penais no estado democrático de direito ; anotado com alterações da LEI 13.964/19. Marcelo Semer, 1ª ed. – São Paulo : Tirant lo Banch, 2020.

[3] Marcelo Semer estará em Goiânia no mês de abril deste ano, palestrando na Semana do Calouro promovida pelo Centro Acadêmico XI de Maio, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás.