Precisamos de juízes conscientes da sua responsabilidade

Emanuel Rodrigues

O colega Emanuel Rodrigues assina o artigo da coluna desta quinta-feira (8). Advogado criminalista, ele é especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Goiano de Direito; especialista em Direito Público e pós-graduando em Direito Probatório no Processo Penal pela Escola Superior da Magistratura Federal do Estado do Paraná.

Emanuel Rodrigues começa seu texto citando fala do ministro Rogério Schietti Cruz, durante o 1° Congresso Goiano de Precedentes TJGO realizado na semana passada.  O magistrado disse: “precisamos de juízes conscientes da sua responsabilidade, do papel que exercem na jurisdição, da importância da sua caneta e da sua voz no destino das pessoas que ele julga”.

A enfática frase que dá o título do presente artigo emana de uma voz que há muito vem se destacando por decisões que são amadas, criticadas, ignoradas, mas que sempre reforçam a importância do processo penal democrático e do dever que se impõe ao Magistrado e dos Tribunais no momento da decisão.

A fala ocorreu durante a palestra de encerramento do 1° Congresso Goiano de Precedentes que foi realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Na oportunidade, o ministro da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi acompanhado pelo presidente da 2ª Câmara Criminal do TJGO, que também é oriundo do 5° Constitucional do Ministério Público, desembargador Édison Miguel da Silva Júnior.

A fala do ministro não poderia vir em hora melhor. Isso, é claro, se avaliarmos o contexto em que as decisões, em especial da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, têm se desenhado. Isso porque, desde que foi criada tem, sistematicamente, julgado diversos temas já pacíficos no Superior Tribunal de Justiça de forma diferente.

Exemplo disso é o caso do habeas corpus 5654679-82, onde o colegiado entendeu que da ordem não era possível sequer conhecer, vez que, na visão do relator, acompanhado pelos demais membros, demandaria suposta avaliação fático-probatória, circunstância não permitida no rito do writ. No entanto, a decisão foi reformada pelo RHC 176.750/GO onde o Superior Tribunal de Justiça determinou que o órgão colegiado conhecesse do pedido e o julgasse como entendesse de direito, para que fosse possível a análise do colegiado do STJ.

Aqui é preciso fazer um destaque para a atuação da Advocacia Criminal do Estado de Goiás, que vem desenvolvendo forte trabalho no combate a essas decisões, como é o caso do precedente do HC 777.441/GO, de relatoria do Ministro Rogério Schietti que, com fundamento no art. 34, inciso XX, do RISTJ, concedeu a ordem de habeas corpus para determinar ao TJGO que prosseguisse no julgamento e analisasse, concretamente e de maneira devidamente fundamentada, a ocorrência de ilegalidade manifesta no ato coator.

Reafirmando o entendimento, o Min. Jesuíno Rissato determinou, por meio do RHC 180.371/GO que a 1ª câmara do TJGO prosseguisse no julgamento do HC 5104110-61 e apreciasse o mérito do writ originário, o que reforça o atento, hercúleo e necessário trabalho dos Advogados Criminalistas de Goiás.

A resistência ao não conhecimento da tese de violação domiciliar, a título de exemplo, ainda é tema delicado a ser tratado perante a 3ª Câmara Criminal, que sempre aponta em seus reiterados julgados que “Mostra-se inviável o pedido de análise da suposta nulidade do flagrante por violação de domicílio, pois evidente a necessidade de reexame do material fático-probatório dos autos, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus”.

A título de amostragem simplória da afirmação acima destacada, cito 10 julgados de dezembro de 2022 aos dias atuais como o AgRg no HC 5732188.66; HC’s 5732548.24; 5781390-68; 5751981-14; 5726643-71; 5731302-26; 573398-73; 5716349-57; 5728336-34 e 5622223-56. O destaque especial dos julgamentos citados fica a cargo do penúltimo mencionado, ao dizer a ementa que examinar, na via estreita do habeas corpus, tese que demande dilação probatória e aprofundado exame de elementos de convicção é inadmissível, sob pena de violação do “devido processo legal”.

O entendimento, no entanto – não conhecimento da tese na via do habeas – é corriqueiramente apreciado nas demais Câmaras Criminais do TJGO, onde normalmente há a avaliação do contexto fático inserido no Auto de Prisão em Flagrante e, se constatada a ilegalidade apontada no habeas, determinado o trancamento da ação ou das investigações. Nesse ponto, devemos destacar o avanço da antes criticada 2ª Câmara Criminal, para indicar entendimentos que caminham no sentido do conhecimento da referida tese e reafirmação do entendimento firmado pelo Tribunal Superior, bem como o trancamento de Ações Penais/Investigações, como nos HC’s 5731815-23 e 5393742-67 de relatoria do Des. Luiz Cláudio Veiga Braga; HC 5060351-40 de relatoria da Des. Carmecy Rosa Maria; HC 5640053-69 de relatoria do Des. Édison Miguel da Silva Júnior e HC 610339-53 de relatoria do Des. Leandro Crispim.

Assim, ao avaliarmos os precedentes citados, ligando-os à fala do ministro, percebemos a resistência de uma parte do TJGO, pela 3ª Câmara Criminal, que acaba prejudicando não só a imagem do Tribunal perante as cortes superiores, mas colocando em risco a segurança jurídica e o sistema de precedentes que vem sendo firmado no Brasil. Isso porque, Rogério Schietti destacou que os magistrados e desembargadores que compõem os colegiados dos Tribunais, não podem julgar como se masmorras isoladas fossem. Isso é, cada qual com seu entendimento e, se o advogado ou a parte não gostarem ou não estiverem satisfeitos, que recorram e mudem os rumos processuais da decisão prolatada.

A consequência de tal atitude pelos Magistrados, é chamado de “defiance”, e tais atos acabam por abarrotar os Tribunais Superiores de recursos infindáveis, que muitas vezes encontram barreiras formais – que sabidamente são conhecidas pelos julgadores nos TJ’s – que impedem o seu conhecimento e, por vezes, desestimulam as partes/advogados a alçarem vias recursais. Logo, mesmo quando consolidado o entendimento nos Tribunais Superiores, a negativa de aplicação dos julgadores a esses entendimentos, acaba sendo estimulada pela certeza de que eventual recurso não chegará ao cabo da análise meritória dos Tribunais Superiores.

Por isso, ouvir de ministros dos Tribunais Superiores que aos magistrados e desembargadores dos Tribunais Nacionais falta o exercício da “humildade”, deveria ser objeto de preocupação, não só para quem observa como estudante e acadêmico os julgamentos dos Órgãos Colegiados, mas como um sintoma de resistência a evolução do sistema de precedentes que garanta segurança jurídica e um processo penal cada vez mais democrático.

É importante que se diga que não falo aqui, em hipótese alguma, de uma vinculação do Magistrado e engessamento do seu livre convencimento motivado, mas sobre uma constatação puramente embrionária das razões que invocam os julgadores ao negar a aplicação do entendimento já consolidado dos Tribunais Superiores.

Até por isso, como dito pelo Ministro Schietti, na presença da grande maioria dos Desembargadores componentes das Câmaras Criminais do TJGO: “Nós, integrantes de um Tribunal, devemos respeito e obediência, não no sentido vulgar, mas no sentido funcional, à jurisprudência que nós próprios criamos, pelos Órgãos próprios”.

Finalmente, o que se espera da vinda de um Ministro do Superior Tribunal de Justiça da envergadura e peso de Rogério Schietti ao TJGO, é que sua visita e desabafo sirva para alertar os Magistrados de 1° grau sobre a importância de se garantir segurança jurídica através dos precedentes pacíficos das cortes superiores. Para além, que sirva de exemplo, para que nosso Tribunal não seja mais uma cópia do que foi o TJSP ao Brasil.