Fatores influenciadores do comportamento delinquente e os crimes de colarinho branco

O colega Rafael Ferracina, sócio da Ferracina, Girão Maia e Rodrigues Alves Advogados, escreve, na coluna de hoje (28), sobre os fatores influenciadores do comportamento delinquente e os crimes de colarinho branco. Ele é LL.M. em Direito Penal Econômico, membro da Comissão de Ciências Criminais da OAB/DF e Membro da Abracrim/DF – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

Rafael Ferracina

Leia a íntegra do texto:

As teorias gerais do comportamento criminoso se basearam em estatísticas que apontavam que os crimes estavam concentrados nas classes socioeconômicas mais baixas, relacionando a pobreza ou condições a ela associadas, como sociais e traços pessoais, como causa do comportamento criminoso.

Dois tipos de pesquisa serviram de base para demonstrar a concentração dos crimes nas classes socioeconômicas mais baixas.

Primeiro, a alta incidência de pobreza na história de vida dos infratores e de seus pais. O segundo tipo de pesquisa baseava-se na análise estatística das áreas residenciais dos infratores, chamada normalmente de “distribuição ecológica de infratores”.

Concluiu-se, portanto, que as patologias sociais teriam relação com a pobreza. Por outro lado, sugeriu-se como patologias pessoais, em primeiro lugar, as anomalias biológicas; caso questionada a validade, passava-se a sustentar a inferioridade intelectual e mais recentemente a instabilidade emocional.

Os dados estatísticos criminais levantados no ambiente prisional, composto quase que exclusivamente por pobres, incorrem em equívocos, o que os tornam inadequados, dando falsa impressão de que a criminalidade está diretamente ligada a uma parcela restrita e seletiva menos privilegiada economicamente.

Edwin Hardin Sutherland, sociólogo criminalista, contribuiu de forma relevante à criminologia ao debater as causas da criminalidade, superando o paradigma tradicional das escolas criminológicas positivistas, que estabelecia uma causa entre a criminalidade e fatores ou patologias. A teoria da associação diferencial foi desenvolvida por Sutherland como explicação para a criminalidade.

O ponto central da teoria é que o agente aprende a conduta criminosa em contato com outras pessoas (learning process), jamais nasce sabendo. A conduta humana se modela pelas experiências de vida, não sendo algo anormal ou sinal de imaturidade.

Assim, o indivíduo tende a agir de forma semelhante às pessoas do seu meio social, mesmo que os comportamentos não sejam os ideais, tornando-se criminoso.  O aprendizado na infância, os contatos duradouros, frequentes e quanto maior for o prestígio do indivíduo modelo tendem a ser mais significativos, porque o crime se aprende e não se imita.

Segundo o autor, outro fator preponderante para o cometimento do crime é quando o agente tem a percepção de que a sua prática compensa os seus aspectos desfavoráveis e, em sua vida, aprendeu mais atividades criminosas a permitidas.

É preciso ter em mente que a prática de crimes não é característica da pobreza, e que essa ideia é resultado da distorção de análises estatísticas e de um sistema penal tendencioso, fruto do poder das elites dominantes.

Como o crime não procede da desorganização social, pode-se explicar a criminalidade também presente nas classes médias e privilegiadas.

Os crimes podem atingir as pessoas de maneira direta e muito mais marcante, como o roubo (art. 157 do Código Penal), em que é subtraído da vítima coisa alheia móvel, mediante violência ou grave ameaça.

Há crimes que atingem as pessoas de maneira indireta, como aqueles relacionados a fraudes, uso de informações privilegiadas, corrupção etc., normalmente praticados por pessoas dotadas de respeitabilidade, com status social.

Trata-se da criminalidade econômico-financeira praticada por pessoas de alto nível social, no exercício de sua ocupação profissional, através de negócios escusos, denominados crimes de colarinho branco, desmistificando, assim, a tese de que somente são criminosas pessoas pobres ou socialmente desfavorecidas.

Foi Sutherland quem criou a expressão “crime de colarinho branco” (white collar crimes).

Têm-se como oposto aos crimes de colarinho branco, os chamados crimes de colarinho azul (blue collar crimes), praticados por pessoas menos favorecidas economicamente, expressão criada em alusão a cor azul dos macacões utilizados pelos operários nas fábricas dos Estados Unidos.

Fato é que o sistema penal é resultado do poder de uma elite dominante, se dirigindo quase sempre contra certas pessoas do que contra certas condutas. Os grupos dominantes de uma sociedade impõem ao sistema uma quase impunidade das próprias condutas criminosas, por anteciparem os efeitos das ações. Pode-se afirmar que o sistema penal é tendencioso aos pobres.

As classes mais abastadas interferem no sistema penal de forma premeditada, em benefício próprio ou alheio, para que as suas ações não se enquadrem aos tipos penais vigentes. E, não havendo crime, desnecessário criar lei para combatê-lo.

A ausência de punição penal ou as sanções administrativas para os crimes de colarinho branco são resultado do poder e influência política do seu delinquente, que conta com a parcialidade legislativa para a não criação de leis específicas, considerando que muitos governantes têm amigos e familiares no mundo dos negócios e que os partidos políticos dependem do dinheiro desviado para as suas custosas campanhas, assim como a judiciária para a efetiva aplicação, excluindo as elites dominantes da punição penal.