A ausência do investigado sempre autoriza a decretação da prisão preventiva?

A ausência do investigado sempre autoriza a decretação da prisão preventiva? O colega Emanuel Rodrigues é que responde a esse questionamento na coluna desta sexta-feira (17).

Emanuel Rodrigues

Leia a íntegra do texto:

A necessidade da prisão preventiva é verificada, sobretudo, a partir da coexistência de fatores indicativos de indícios de crime e autoria, de um lado, e do perigo que a liberdade do investigado/acusado poderá representar à apuração do fato – daí a acertada compreensão da Corte IDH no sentido que a prisão preventiva assiste ao processo, e não a valores ou interesses difusos.

Questão relevante diz respeito à prisão preventiva decretada para garantir que o investigado/acusado seja investigado ou, ainda, processado. A tomar por um conjunto expressivo de decisões que, cada vez mais, alargado as hipóteses, o fato de o investigado/acusado se ausentar/mudar de endereço durante as investigações ou mesmo no curso do processo, ou, uma vez procurado, não ser encontrado, tem sido tratado em muitos julgados como presunção de evasão do local do processo ou indiferença às autoridades responsáveis.

Essa postura, como é sabido, além de contribuir para o aprofundamento do caos carcerário, tem corroído, dia após dia, a natureza excepcional da medida cautelar, da qual se lança mão somente de forma subsidiária e quando todas as demais medidas menos gravosas se mostrarem insuficientes.

Como exemplo, imagine-se caso em que pessoa do povo esteja sendo investigada pela Polícia Civil, oportunidade em que a Autoridade Policial, após a realização de todos os atos inerentes à condução do Inquérito Policial, necessite, para encerrar o procedimento inquisitivo, do interrogatório do investigado. Nesse mesmo caso, ao realizar buscas no sistema de segurança da Polícia, a Autoridade até encontra um endereço para realizar a intimação do investigado, que, intentada, resta infrutífera porque este realizara viagem no momento da diligência. Ante à ausência do investigado, a prisão é requerida ao judiciário e deferida, vez que a transitória ausência no distrito da culpa foi interpretada “como forma de homiziar-se da responsabilidade processual – que sequer existe, por não haver necessariamente um processo – de prestar esclarecimentos (ADPF’s 395 e 444).”

Do ponto de vista de sua coerência e racionalidade, o fundamento à prisão retratado no caso hipotético não se sustenta, pois, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, toda a pessoa possui o direito ao silêncio e à não-autoincriminação, razão pela qual não poderia ser sequer conduzido coercitivamente à presença da autoridade policial para interrogatório, quanto mais ser recolhido à prisão para ser interrogado – propósito este que terá lugar na fase judicial.

Porém, ainda que tal decisão não existisse, estaríamos diante de caso de má interpretação e aplicação da norma processual, pois o investigado também não se evadiu do distrito da culpa, mas somente não foi localizado pela autoridade policial para prestar seu interrogatório. Isso é, trata-se de duas situações totalmente distintas. Uma diz respeito ao ato direito de ter ciência da investigação que corre contra si, e praticar atos evasivos à presença processual antes da citação pessoal ou mesmo de eventuais esclarecimentos por parte da Autoridade Policial. A outra diz respeito a ausência de conhecimento do investigado de que efetivamente esteja sendo investigado e, por essa razão, continua o curso natural de sua vida, trabalhando, viajando e exercendo funções normais de um homem médio.

O mesmo ocorreria no caso do início de uma relação processual. A ausência de localização do acusado para integrar a relação processual não pode ser interpretada no automatismo de fuga, com a consequente decretação de sua prisão cautelar. Aliás, a jurisprudência dos Tribunais Superiores já leciona que a revelia do acusado, pós tentativa de citação editalícia não pode gerar, automaticamente, a prisão deste. (HC n. 95674, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 18/12/2008). Recurso Provido. (RHC 44.594/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2014, DJe 03/11/2014) [2].

Tal argumento foi novamente destacado no RHC 172.280/GO, julgado em 24/01/2023 pelo Ministro Ribeiro Dantas da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, afirmando que “[…] segundo pacífico entendimento desta Corte, a presunção de fuga, decorrente do fato de o paciente não ter sido localizado, não constitui fundamentação válida a autorizar a custódia cautelar, porquanto os conceitos de evasão e não localização não se confundem” [3]. No caso concreto, o juízo de 1° grau havia decretado a prisão do paciente com base na gravidade abstrata do crime, aliado ao fato de não ter sido o paciente localizado para a realização de sua citação pessoal, tendo sido realizada a citação por meio de edital.

Conclui-se importante ser muito bem observado pelas autoridades judiciárias, fiscalizados seus atos pelo advogado, os indicativos concretos de fuga/evasão do investigado/acusado, de modo a não transformar a prisão preventiva um automatismo interpretativo alicerçado em uma presunção não indicada no processo.

[1] […] Na condução coercitiva, resta evidente que o investigado é conduzido para demonstrar sua submissão à força, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana. 6. Liberdade de locomoção. A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por período breve. 7. Potencial violação ao direito à não autoincriminação, na modalidade direito ao silêncio. Direito consistente na prerrogativa do implicado a recursar-se a depor em investigações ou ações penais contra si movimentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão de responsabilidade. Art. 5º, LXIII, combinado com os arts. 1º, III; 5º, LIV, LV e LVII. O direito ao silêncio e o direito a ser advertido quanto ao seu exercício são previstos na legislação e aplicáveis à ação penal e ao interrogatório policial, tanto ao indivíduo preso quanto ao solto – art. 6º, V, e art. 186 do CPP. O conduzido é assistido pelo direito ao silêncio e pelo direito à respectiva advertência. Também é assistido pelo direito a fazer-se aconselhar por seu advogado. 8. Potencial violação à presunção de não culpabilidade. Aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas – art. 5º, LVII. A restrição temporária da liberdade e a condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado é claramente tratado como culpado. 9. A legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva. 10. Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputado não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP.” 

[2] II – In casu, constata-se que a mera citação por edital e a revelia do recorrente ocasionaram, por si só, a presunção de sua fuga do distrito da culpa. De fato, não foram expostos os indícios de que o recorrente tinha conhecimento da existência de processo em andamento em seu desfavor e, dessa, forma, deliberadamente estivesse obstaculizando seu trâmite. Por conseguinte, a prisão cautelar decretada com base nessa presunção, por si só, não se justifica para a conveniência da instrução criminal ou garantir a aplicação da lei penal. E, com efeito, como já assentou o Pretório Excelso a mera citação por edital não autoriza a presunção de fuga; 

[3] No mesmo sentido RHC 121.400/MG e HC 606.126/CE.