Consignados não podem superar 30% dos proventos

O juiz Gabriel Consigliero Lessa, do Juizado Especial Cível e Criminal de Piracanjuba, determinou ao BRB Banco de Brasília S/A que deixe de descontar da folha de pagamento de Carmita Inácia da Silva Ferrari valores acima de 30% de seu rendimento. Ainda, o magistrado julgou inconstitucional a Lei Estadual nº 16.898/2010, a qual permite ser descontado até 50% da folha de pagamento dos clientes.

Carmita entrou com ação pedindo que o banco se abstenha de descontar de seus rendimentos os valores que excedam ao limite legalmente previsto para empréstimo consignado. Disse que, em 2015, foi ofertada a ela uma proposta de empréstimo consignado e que a funcionária do banco conseguiu induzi-la a assinar o contrato. Explicou que é analfabeta, com idade avançada, e que não possui capacidade intelectual para discernir informações importantes no que diz respeito a sua capacidade financeira, sendo que era obrigação do banco lhe aconselhar para não sofrer prejuízos.

Por sua vez, o BRB aduziu que não houve irregularidade no valor da parcela contratada, uma vez que a legislação estadual permite que a margem de desconto alcance o limite de 50%. Por fim, disse que inexistem danos morais indenizáveis.

Princípio da Boa-fé
Gabriel Consigliero verificou que Carmita recebia um total de R$ 813,27 e que a parcela cobrada pelo banco alcançava o valor de R$ 406,63, quase 50% de seus proventos a título de parcelas de empréstimo consignado. “Em análise aos argumentos das partes, observo que a solução do caso trazido à baila é iluminada pela aplicação do princípio da boa-fé objetiva, o qual impõe aos contratantes deveres relacionados à proteção das partes em todo o desenvolvimento do processo obrigacional, denominados de deveres anexos ao contrato, os quais vão além daqueles ligados à prestação propriamente dita”, explicou.

Portanto, informou que o banco deve observar os deveres anexos que advém da boa-fé objetiva, como o dever de informar; o dever de cuidado para com o consumidor; de segurança; de proteção; o dever de cooperação e colaboração, evitando práticas que causem abusos a direitos e a concessão irresponsável do crédito, o qual pode levar o consumidor ao superendividamento.

O juiz afirmou que “a concessão excessiva e irresponsável de crédito ao consumidor tem como consequência o superendividamento que, por sua vez, traz a reboque a exclusão do indivíduo do mercado de consumo, contribuindo sobremaneira para o seu aniquilamento social e para uma existência indigna, situação sabidamente indesejada pela no Carta Política – artigo 1º, inciso III”. Foi nesse entendimento, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os descontos em folha de pagamento não podem ultrapassar 30% dos vencimentos do servidor.

Princípio da dignidade da pessoa humana
Apesar de a Lei Estadual nº 16.898/2010 ter estabelecido que o limite mensal de desconto seja de 50%, o magistrado entende que o banco não está isento de proceder com as cautelas impostas pelos princípios da boa-fé objetiva. “Tal situação mostra-se violadora do mínimo existencial, corolário lógico do princípio da dignidade da pessoa humana, que se constitui em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante artigo 1º, inciso III, da Carta Política”, observou Gabriel.

Nesse sentido, o juiz verificou a existência de vício de inconstitucionalidade material na lei que estabelece a possibilidade de desconto em folha de pagamento de parcela de mútuo bancário superior a 30% da remuneração do servidor, pois a remuneração possui caráter alimentar e o seu comprometimento exagerado em favor do capital financeiro resulta na privação do mínimo existencial, impondo, dessa forma, a declaração incidental de inconstitucionalidade material do artigo 5º, 5º parágrafo, da Lei Estadual nº 16.898/2010, por violar o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. Veja a sentença. (Texto: Gustavo Paiva – Centro de Comunicação Social do TJGO)