A república das bolsas e a crença no almoço grátis

Instalou-se durante essa semana uma verdadeira celeuma nas redes sociais sobre um problema que passa ao largo dos verdadeiros problemas “sociais” goianienses: a mudança na forma de cobrança do estacionamento de um shopping da capital.

Para além dos protestos e da campanha de boicote – legítimos, obviamente – , o que verdadeiramente há de jurídico em tudo isso?

A Constituição da República de 1988 cuidou de centralizar-se nos direitos e garantias do homem, inclusive e marcadamente, a propriedade.

É bem verdade que, para além de garantir a propriedade privada e a livre concorrência, também garantiu os direitos dos consumidores, para que o direito de um não desbordasse sobre o direito de outros.

A questão jurídica sob discussão, patrocinada tanto por integrantes do poder legislativo local, quanto pela Procon e pela comissão de direito do consumidor da OAB, cinge-se a questionar se houve ou não abuso no aumento do valor cobrado pela utilização do estacionamento do centro de compras.

De partida é preciso fixar que não se cuida de estacionamento público ou instalado sob imóvel público, mas de área privada, contígua ao shopping e localizada em região altamente valorizada da capital.

O segundo ponto que merece destaque é que, quando a legislação consumerista veda aumento abusivo, parece, a meu juízo, atrelar o entendimento de abusivo a duas idéias centrais: o de justa causa e o de vinculação pretérita do consumidor à relação de consumo.

Trocando em miúdos, é abusivo o aumento do preço cobrado pelo produto ou serviço quando o consumidor, no curso do contrato, vale dizer, já na utilização do serviço, é colhido por um aumento que não encontra referibilidade e justificativa idônea.

Pode-se, inclusive, criar um exemplo: um consumidor que utiliza os serviços do referido estacionamento, quando do seu ingresso, é informado que o valor é “x”; permanecendo no interior do shopping por várias horas, quando do pagamento, recebe a notícia de que houve um aumento no valor cobrado e este aumento ocorreu durante sua estada ali. Neste exemplo, teremos uma relação em curso e, aí sim, dever-se-á indagar se houve uma justa causa para o aumento do preço.

No caso polemizado, o consumidor não é compelido a utilizar o serviço. Ele pode simplesmente não aderir ao contrato. Pode não ir ao shopping, pode ir a outro shopping, pode ir a pé, de ônibus ou deixar o veículo fora do estacionamento.

Ademais, a procurada justa causa que, ausente, geraria o buscado abuso no aumento, pode residir na valorização excepcional do metro quadrado do imóvel naquela região, na agregação ao serviço de estacionamento de outros serviços – como carrinhos de transporte que levam os clientes de seus veículos até a entrada do shopping – incremento na segurança, troca dos pisos, maior área coberta ou até mesmo pode haver justa causa no reposicionamento empresarial do shopping, vale dizer, na mudança do target.

Ou alguém irá judicialmente reclamar de eventual aumento no valor cobrados por bolsas femininas mundialmente famosas, na hora de voo cobrada por táxis aéreos ou no preço de pratos e bebidas em restaurantes que buscam clientes de alta renda.

Se protestar é válido, como também é boicotar, o que parece não merecer prosperar são os questionamentos judiciais. .

Mas talvez até esse protesto tenha uma justificativa (ou uma justa causa, para usar a expressão que utilizam): na República Bolivariana das Bananeiras, onde a grande massa da população é desestimulada a produzir por “bolsas tudo”, criou-se a percepção de que existe almoço grátis.

*Carlos Vinícius Alves Ribeiro é mestre e doutorando em Direito de Estado pela USP, Professor de Direito na Universidade Federal de Goiás, conferencista e palestrante, Promotor de Justiça.