Recuperação judicial: competência é da Justiça Comum Estadual

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    A Lei nº 11.101/05 – LFRE -, na tentativa de preservação da continuidade da atividade – o primeiro e mais importante princípio que rege este instituto -, prescreve em seu artigo 6º: “A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”. (grifos nossos). A nosso ver, nos parece uma redação de muita clareza, ou seja, que a decorrência natural e obrigatória do deferimento do processamento da recuperação judicial, é a suspensão do curso de todas as ações e execuções em face do devedor. Nada obstante, no Judiciário ainda se observam o trâmite dos malsinados Conflitos de Competência frente a certos entendimentos de que a Justiça por onde correm os feitos que defendem – a Federal (no caso, reintegração de posse de bens contratados com a recuperanda),  não deve se curvar à Justiça onde tramitam os feitos de recuperação judicial (a Comum Estadual).

    No caso sob estudos, e tentando justificar a aplicabilidade da Justiça Federal sobre a sua pretensão, a requerente, a certa altura do seu requerimento, diz:

    “A aplicação pura e simples do artigo 6º da Lei de Falências associado ao princípio da preservação da empresa nos moldes da situação apresentada no caso em julgamento atentaria contra as boas regras e princípios de interpretação constitucional citados, em especial, ao princípio da concordância prática ou da harmonização constitucional, da eficácia integradora, da máxima efetividade e da interpretação conforme a Constituição. Afinal, haveria profundo esvaziamento da norma insculpida no artigo 109, inciso I, da CFRB/88 ao exigir que a UNIÃO/ INFRAERO tivesse que ingressar nos juízos Estaduais para reintegrar área notadamente de sua propriedade esbulhada em razão da COMPLETA AUSÊNCIA DE CONTRATO ADMINISTRATIVO que justificasse a permanência de qualquer sociedade empresária”.

    A questão, enfrentada pela Egrégia Primeira Seção do STJ – Superior Tribunal de Justiça, com relatoria da eminente Ministra Regina Helena Costa, no AgRg no AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 142.308 – SP (2015/0184593-3), assim se posicionou, conforme ementa transcrita na íntegra abaixo:

    PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE PROPOSTA PELA INFRAERO. RÉU EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUÍZO DE FALÊNCIA COMPETENTE PARA JULGAR O FEITO. ART. 6º E 47 DA LEI 11.101/05. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA.

    I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II – Esta Corte possui entendimento consolidado que reconhece a competência do Juízo universal para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa em recuperação, inclusive para aquelas envolvendo reintegração de posse, pois o destino do patrimônio da Suscitante – em processo de recuperação judicial – não pode ser afetado por decisões prolatadas por Juízo diverso, sob pena de prejudicar o plano de recuperação da empresa. III – A Agravante não apresenta, no regimental, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada. IV – Agravo Regimental improvido. (grifos nossos).

    Observa-se no contido na transcrita ementa, que o STJ “possui entendimento consolidado que reconhece a competência do juízo universal (o que preside a recuperação judicial -sempre e necessariamente o da Justiça Comum Estadual) para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa em recuperação…”. O julgado ressalta interesses e bens da empresa em recuperação. No caso, e pela natureza da ação de reintegração de posse, o bem é da Requerente; todavia, há o indiscutível interesse  no mesmo pela recuperanda, vez que, se reintegrado, poderia causar danos/prejuízos ao plano de recuperação judicial, provocando, assim, prejuízos à continuidade da atividade.

    *Renaldo Limiro é advogado especialista em recuperação judicial, do escritório Renaldo Limiro Sociedade de Advogados, Autor das obras A Recuperação Judicial Comentada Artigo por Artigo, Ed. Delrey; A Recuperação Judicial, a Nova Lei…, AB Editora; e, Manual do Supersimples, com Alexandre Limiro, Ed. Juruá. É membro da ACAD – Academia Goiana de Direito. É atual vice-presidente da Acieg. Mantém o site www.recuperacaojudiciallimiro.com.br