Proibicionismo das drogas (e riqueza do crime organizado)

Tudo começou com o proibicionismo de origem moralista nos EUA e na Europa na década de 20 (século XX). Grupos morais radicais (de fundo religioso), nesse tempo, conseguiram levar para o campo legal (e penal) incontáveis proibições relacionadas às drogas. Acreditavam que, com a lei, as drogas desapareceriam do mundo. Há um século acredita-se nisso e os efeitos devastadores drogas prosseguem. Jogaram energia na proibição assim como na oferta das drogas. Esqueceram do consumo e do consumidor. Sobretudo da sua educação. Gastaram trilhões de dólares. Invasões arbitrárias e anti-soberanas de muitos países ocorreram. Enfocou-se o uso de drogas como um desvio de conduta (um desvio moral). Isso gerou um problema de proporções internacionais. Para combater o vício e a degradação pessoal, deu-se ao tema uma priorização militar. Erro grave de perspectiva. Colocaram nas mãos da polícia um problema antes de tudo social (saúde pública). Milhões foram encarcerados. O vício não desapareceu. Aumentou. As drogas não diminuíram. Aumentaram. A oferta continua alta e a cada dia inventam uma nova droga. Porque existe demanda!

A polícia e o presídio entendem de saúde pública tanto quanto a Lua de lagostas. O mercado ilícito das drogas explodiu. Riquezas incalculáveis. Bilhões de dólares todos os anos. Nunca nenhuma sociedade deixou de ter admiradores das drogas (hoje isso gira em torno de uns 5% da população mundial, segundo a ONU). Em grande medida é improdutivo proibir aquilo que as pessoas querem consumir (álcool, drogas, cigarro). É mais ou menos como proibir o sexo (os que disso são interditados se rebelam quase que diariamente). Melhor controle das pessoas se faz pela educação. Mudança de hábitos. A liberdade delas está na superação do vício, não no castigo. Já conseguimos êxitos incríveis em relação aos fumantes.

Em lugar de os moralistas fazerem suas pregações e discursos no sentido da conscientização das pessoas (como hoje, com sucesso, estamos fazendo com o fumo; a cada dia milhares de pessoas deixam de fumar), preferiram disseminar o proibicionismo. Apagaram luzes quando já se aproximava a escuridão. O enganoso proibicionismo é um apagar de luzes. Nunca jamais diminuiu a oferta das drogas, nem de consumidores. Invade-se um país, a droga brota em outro. Queima-se quimicamente uma região, outra floresce. Elimina-se um tipo de droga, mil outros aparecem. Implacável é a lei do mercado: onde há procura, sempre tem oferta.

Os incansáveis moralistas, não contentes com proibir as drogas, caíram na tentação de proibir também o álcool (de 1920 a 1933). Boa parcela da população europeia e das Américas jamais abriu mão desse fermentado líquido combatente “das tristezas e das desgraças”. Também apreciado nas alegrias. Inspiração, para muitos, em todas as horas. Fizeram a riqueza dos grupos organizados, hoje verdadeiros “estados transversais” mais fortes economicamente (muitas vezes) que muitos países. O crime organizado aplaude sempre o proibicionismo, porque, em verdade, tem como aliada a ignorância do ser humano. Até criaram sistemas econômicos fundados na proibição de produtos e serviços.

É da ignorância que nasce parcela da fortaleza do crime organizado (que coloca à disposição do consumidor ávido por vitimização aquilo que a lei proíbe). Não importa o que seja. Onde há demanda, sempre haverá oferta. Terrível é que a ignorância nunca fica ilhada. Seu parceiro inseparável é o ignorantismo: sistema sustentado por aqueles que defendem a relevância da ignorância, alegando que a instrução e a ciência apenas resultam em desmoralização e ruína das sociedades. Inversão total de valores. Quanto mais ignorância, mais riqueza para o crime. Quanto mais ignorante o povo, mais fácil a conquista do seu voto e seu domínio. Quanto mais ignorante a nação, mais o parasitismo se instala. Somente um em cada 4 pessoas, no Brasil, sabe ler ou escrever ou compreender o que leu ou fazer operações matemáticas básicas (M.A. Setúbal, Folha 15/9/13, p. A3).

A proibição do álcool enriqueceu e fortaleceu as máfias, aumentou o nível de repressão policial e de corrupção, nunca fez diminuir o hábito de beber da população (que só se retrai onde há conscientização) e culminou por disseminar produtos paralelos de qualidade baixíssima, agravando os problemas de saúde pública. O proibicionismo é típico da ilha de Tomás Morus, chamada “Utopia”, que significa lugar nenhum. O proibicionismo das drogas continua alimentando muitas guerras e muita riqueza ilícita. Inclusive de alguns policiais. Tudo, depois, passa pelos bancos (em forma de lavagem). Riqueza também para o mundo das finanças. A economia sempre prospera. Todos agradecem. A economia gira. É ele (proibicionismo) que dá vida para o narcotráfico matar pessoas. Algumas por livre vontade (os usuários), outras por meio da violência. Mas também por livre vontade nos destruímos por meio do cigarro, do açúcar, da bebida e da gordura. Também por intermédio das drogas. Nossa predileção é pela destruição (da natureza, dos outros seres humanos e de nós mesmos). A única esperança é a evolução ética do ser humano. Nisso é que temos que investir, diuturnamente. É o caminho da salvação. Um dia vai chegar. Não vamos ficar apenas no grande meio-dia de Nietzsche.

 

*Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br. Estou no facebook.com/blogdolfg