O despertar no caos

*Marcelo Bareato

Parece indiscutível o rumo que o Direito tem seguido nos últimos tempos, não só no Brasil, mas no mundo. Dizer que passávamos por uma falência do direito brasileiro é, no mínimo, o extremo do narcisismo.

Ocorre que, diferente do que fazemos aqui, nos demais países que experimentam um Estado Democrático de Direito, a regra do dinamismo e adequação às necessidades do momento, é levada a sério com investimentos, pesquisas, estudos, segurança jurídica e valorização desta cultura, difundida a todos que participam do grupo social.

Em nosso território, porém, nos acostumamos com a ideia de que, quem deve se importar com o direito são aqueles que trabalham com ele no seu dia-a-dia, sem entender que o direito, assim como a política, está em tudo, o tempo inteiro e, exatamente por isso, é obrigação de todo o cidadão, participar dos rumos que são dados a esses ramos por aqueles que nos representam.

Dessa condição, nasceu a ideia de que “o maior texto de garantias individuais do mundo”, nossa Constituição, cuidaria de manter a ordem e determinar os rumos do crescimento financeiro e da diminuição da criminalidade através do que conhecemos por “devido processo legal”.

Destarte, ao final do governo Temer, não que não soubéssemos da corrupção que assolava esse país, a então em andamento “operação Lava Jato” mostrava a nova geração, o lado obscuro de todas as falcatruas entranhadas no sistema e se tornava assustadora pelos métodos “pouco convencionais e legais” adotados pelo juiz de grandes aspirações políticas Sérgio Moro.

Não fosse suficiente, fortalecíamos uma reforma trabalhista e previdenciária que, embora necessária, assim como os métodos adotados pelo juiz Moro, tinham lastros estadunidenses e, portanto, incompatíveis com nosso ordenamento legal.

Essa incompatibilidade, por obvio, desembocou no Supremo Tribunal Federal, o qual, de guardião da Constituição, passou a decidir suas demandas sob o manto de que a voz das ruas e a moral de cada Ministro deveria prevalecer sobre o garantismo constitucional, deixando, da noite para o dia desamparados os advogados, réus, reclamantes e a população de um modo geral. Essa mesma população que agora se via, de uma parte representada por um Presidente despreparado política e juridicamente falando, mas que por outro lado, traduzia a insatisfação que muitos sentiam naquele momento e, porque não dizer, sentem nos dias atuais, de outra parte reclamava o retorno do garantismo e um judiciário fiel aos ditames legais.

O que parece ter passado desapercebido é que, na verdade, estávamos principiando uma nova era, da qual pouca coisa restará, especialmente com relação aquilo que nos acomodava e, de certa forma, nos dava uma garantia de que o nosso trabalho estaria lá, que nosso ensino seria fornecido a contento, que aquele que necessitasse do judiciário poderia contar com o que estava posto na legislação.

Essa mudança estrema se acentuou sobremaneira quando o atual Presidente Jair Bolsonaro, em 24 de dezembro passado, sancionou o famigerado “pacote anticrime” – Lei n.º 13.964/2019 -, a qual entrou em vigor em 23 de janeiro deste ano. Referido pacote trouxe alteração em 17 dispositivos legais, como por exemplo o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, Lavagem de Dinheiro, entre outros.

Desde então, especialmente os advogados criminalistas e porque não dizer, de outras áreas do direito, parecem ter entrado em parafuso, muitos aduzindo partir para outro tipo de atividade.

Caro Leitor!

Na verdade, com acertos e erros, como é de costume nesse país e em qualquer outro, os tempos mudaram. Não há mais espaço para a advocacia convencional, onde o causídico mantinha em seu escritório uma secretária, atendia diversas áreas, trazia para trabalhar consigo um ou dois advogados e fazia suas pesquisas em manuais ultrapassados, doutrinas que esmiuçavam tipos penais e repertórios de jurisprudências do ano passado.

Vivemos em um mundo novo, onde, possivelmente em 10 anos os diplomas de graduação e pós-graduação darão lugar a certificados de curso de pequena duração, como já acontece com empresas famosas ao redor do mundo; onde os empregos que restaram, terão que ser preenchidos com pessoas dispostas a adquirir conhecimentos novos numa atualização frenética, sem poder rotular em suas carteiras de trabalho qual a sua função; onde a inteligência virtual fará sentenças, acórdãos e o bom e velho escritório de advocacia contará com seu advogado ou advogados e um “controller jurídico”, ou seja, um profissional capacitado para cuidar das rotinas jurídicas, tornando-as funcionais e propiciando uma gestão mais eficiente desse escritório, com investimentos consideráveis na área de tecnologia de informação, a qual substituirá o universo de papeis, pastas, arquivos e estantes abarrotadas, conferindo segurança, agilidade e sigilo nas informações.

Entender que o direito mudou, é antes de uma necessidade, uma obrigação, assim como nos mostra Andrei Zenkner Schmidt, em sua obra Direito Penal Econômico, 2.ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2018, página 40:

A intervenção direta do poder público na economia foi substituída por uma intervenção indireta: empresas privadas assumiram o encargo de prestar serviços públicos, submetidas, porém, a uma regulamentação na concorrência, nos meios e no resultado final da atividade.
(…)
O Estado, com isso, continuou priorizando o assistencialismo em áreas estratégicas, ora prestando diretamente – ainda que não exclusivamente – o serviço (segurança, saúde, jurisdição etc.), ora transferindo a sua execução a organismos que, tangenciando a burocracia e os vínculos formais do serviço público, poderiam atuar com eficiência e agilidade ante as demandas e variações abruptas de uma economia globalizada marcada pela fluidez, submetidos, contudo, à regulação da atividade.

Nessa toada, acostumar com o surgimento de novas áreas como o Direito Penal Econômico, Compliance, e as diversas formas de combater a Corrupção Empresarial, além de inevitável, desemboca na necessidade de conhecer novos vocabulários e estruturas como por exemplo, VUCA – que é um acrônimo inglês, que pode ser traduzido em volatilidade (volatility), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity), ou seja, um mundo em velocidade acelerada e com destino incerto, o que proporciona várias respostas para uma mesma questão; ou STARTUPS – termo usado para companhias ou empresas que estão no início de suas atividades e que buscam explorar ações inovadoras no mercado, fazendo com que as pessoas que se dispõe a explorar esse tipo de negócio, trabalhem em condições de extrema incerteza.

Para esse novo direito, é imprescindível conhecer 1) os atos lesivos para a administração pública, seja ela nacional ou estrangeira; 2) a responsabilidade e o processo de responsabilização administrativa a que estão sujeitas; 3) o que significa acordo de leniência; 4) quais as formas de responsabilização judicial aplicáveis; 5) o que é o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP; 6) qual o significado de Foreign Corrupt Practices Act – FCPA; 7) qual o checklist de um programa de integridade ou compliance etc., coisas que fogem ao cotidiano da advocacia tradicional e estão a tirar o sono daqueles que preferem não investir em conhecimento ou pensam que essa é apenas uma moda transitória.

É nesse sentido que traçamos essas poucas linhas, para mostrar o que significa essa nova era, repudiada por muitos, mas uma realidade que, felizmente, temos a oportunidade de fazer parte, evoluindo e deixando nosso legado de transição e conhecimento aos que recebem esse novo mercado e economia, consubstanciado num desafio para os bem-intencionados e novatos e o despertar no caos aos acomodados.

*Marcelo Bareato é doutorando em Direito Público – Dinter – Centro Universitário de Goiás/GO e Estácio de Sá/RJ, professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal Especial e Execução Penal da PUC/GO, advogado criminalista, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, conselheiro Nacional da Abracim, presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia/GO, presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB/GO entre outros.