O baile de máscaras

*Marcelo Bareato

Amigo leitor, nosso artigo começa com o título Baile de Máscaras, numa referência ao que recebemos como notícia, ao invés do que, de fato, é a realidade.

Como já é do conhecimento de todos, este que vos escreve é, exerce e exerceu diversos cargos voltados à advocacia criminal e à execução penal ao longo de 28 anos.

Assim, quando vemos os jornais e outros meios de informação repassando a notícia que receberam do Judiciário, dos órgãos públicos responsáveis de que está apenas sendo feita uma vistoria no sistema prisional para verificação de entrada de armamento e celulares, sem nenhum dano ao preso ou sem qualquer tipo de violência física, no mínimo, ficamos estarrecidos.

A uma, porque o sistema goiano, especialmente no que se refere à Capital – Complexo Prisional de Aparecida –, é uma sistema retrogrado, da década de 70, e que não oferece a mínima condição para que esteja aberto; ao depois, porque apresenta uma superlotação em que abriga 7.340 indivíduos onde caberiam, no máximo, 1.400; finalmente, porque não obedece aos ditames da Lei de Execução Penal em nada, notadamente no que determina que o material de higiene, a alimentação, as roupas, cobertores e colchões são de responsabilidade única do Estado.

Daí, peguemos apenas uma das cenas que correram o país semana passada, aquela onde os presos estão no pátio, apenas de cuecas, enquanto tudo que havia nas celas está sendo retirado e incinerado.

Esta cena por si só já serviria para lançar por terra todas as notícias que dão conta de que o que se passava no centro de prisão provisória era apenas uma inspeção de rotina.

Na verdade, o que os agentes penitenciários supostamente buscavam eram quatro armas, telefones celulares e facas construídas com restos de metais deixados na própria convivência dos presos. Se esse é o fator motivador, deveríamos nos perguntar: onde estão as armas, facas e celulares encontrados? Também deveríamos ser informados do que foi feito com os agentes penitenciários que permitiram a entrada e confecção de tais objetos! Sim, porque com dois scanners de altíssima precisão, onde o suporte de metal que segura o salto do sapato à sola é detectado, ninguém passaria com tais objetos para dentro do sistema sem que algum funcionário se corrompesse; aliás, temos, inclusive, denúncias sobre os valores pagos aos funcionários, qual seja, 35 mil reais, em média, por arma.

Não fosse o suficiente, ao arrancar todos os objetos que os presos mantinham em suas celas, destruir e queimá-los no pátio das alas – inclusive os remédios, muitos de uso contínuo –, devemos ponderar que se o Estado Goiano, diferente do que manda a Lei de Execução Penal, não cumpre a sua obrigação em fornecê-los. Os familiares, no geral pessoas extremamente pobres e, para ajudar seus entes queridos que foram encarcerados, a duras penas foram comprando, tais como as roupas permitidas, os colchões, as cobertas, os itens de higiene, os ventiladores e televisores etc..

Caro leitor! As perguntas nos parecem por demais simples: se alguém entrasse na sua casa e destruísse tudo que você tem, qual seria o seu estado de ânimo? Como você ficaria ao saber que seu filho, pai ou mãe está sem roupas, em meio a sujeira, exposto a doenças, sem remédios, sem comida, sem poder tomar banho e que, acima de tudo, você vai ter que “se virar” para conseguir arranjar dinheiro e recolocar, quando deixarem, tudo o que você, a duras penas, havia colocado no lugar? Como cereja do bolo, tendo a certeza de que a responsabilidade pela arma, faca, celular, se de fato existiam, não foi por responsabilidade do seu familiar?

Transporte tudo isso para cabeça de quem vive um inferno todos os dias, tem conhecimento de que deveria pagar pelo mal que fez a sociedade, mas jamais poderia ser tratado como um animal peçonhento, humilhado na frente de seus entes e lutando todos os dias para se manter vivo; qual seria o seu comportamento a partir daqui?

A função da pena, por meio do encarceramento pelo Estado, é receber aquele que fez mal à sociedade, ensinar-lhe como tratar o seu próximo, fazer com que aprenda um trabalho, que estude, recuperá-lo e devolvê-lo em condições de, com uma profissão, mostrar a todos que ficaram do lado de fora o quanto evoluiu como pessoa e pode dar seu testemunho de que aquela de outrora era uma vida que não deve ser seguida – vulgarmente conhecida como “ressocialização”.

É com essas linhas que chamamos a atenção de todos para a realidade, para que possamos desvendar o rosto de cada integrante desse baile de horrores, fiscalizar e obrigar que os detentores do poder, com o dinheiro retirado de nossos impostos para fazer o certo, sintam-se compelidos a cumprir a função que lhes cabe e não vender uma imagem de que está tudo bem, quando estamos prestes a uma rebelião de grandes proporções, quase sempre provocada por aqueles que deveriam ser exemplos e cuidar para que o preso tivesse a mínima condição de retornar à sociedade.

*Marcelo Bareato é advogado, professor da PUC Goiás e em pós-graduações, palestrante, presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia, presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Goiás, diretor Institucional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalista (Abracrim) – seção Goiás