Impunidade e corrupção no Brasil, um caso perdido?

advogado marcelo di rezende - horizontalO Latinobarómetro é uma organização privada sem fins lucrativos, com sede no Chile, sendo a entidade responsável pela realização de uma importante pesquisa de opinião pública anual, que observa o desenvolvimento das democracias, por meio de indicadores de atitude, opinião e comportamento.

Pois bem, em uma destas pesquisas, onde o foco era a corrupção, foi perguntado aos habitantes dos países latino-americanos, dentre eles, o Brasil, se a nossa população concordava com a afirmação de que o Poder Judiciário de nosso país punia todos os culpados, em especial, aqueles acusados de corrupção, no que foi respondido por 64,3% dos brasileiros que não punimos, e pior, acrescentamos que a sensação de impunidade para este tipo de delito prepondera em todo canto do Brasil.

É fato que a corrupção, bem como os escândalos de malversação do dinheiro público que envolvem as esferas públicas, têm se tornado um desregramento habitual e crônico em todo o país. Infelizmente para nós todos, já se tornou corriqueiro nos meios de comunicação, notícias de desvio e lavagem de recursos públicos, onde podemos citar o notório caso do mensalão, ou ainda, de forma atual, as escabrosas e inacreditáveis cifras bilionárias que envolvem a Petrobrás, por meio de políticos e seus apaniguados.

Sem dúvida de que a democratização brasileira ainda carece de efetivação de princípios e valores fundamentais que alicercem uma cultura política democrática, vez que ainda persistem posições céticas e cínicas entre os cidadãos em relação às instituições formais, pois alguns se acham inatingíveis, gerando a corrida para o alcance da impunidade.

Temos ainda que mencionar a posição contraditória do cidadão comum em relação à corrupção, e que, conforme vimos na pesquisa citada, acarreta esse contexto de tolerância por nós brasileiros em enfrentarmos de frente este crime, preferindo, por vezes, aderir a esquemas de corrupção e afirmar que as pessoas têm um preço do que efetivamente seguirem a lei.

Acontece que a tolerância à corrupção não é um desvio de caráter do brasileiro, uma propensão e culto à imoralidade, mas uma disposição prática nascida de uma cultura em que as preferências estão circunscritas a um contexto de necessidades, representando uma estratégia de sobrevivência que ocorre pela questão material. Creio que a tolerância à corrupção, então, não é uma imoralidade do brasileiro, mas uma situação prática pertencente ao cotidiano das sociedades capitalistas.

Todavia, em contrapartida ao que expusemos, não podemos nos olvidar de que esse mesmo cidadão comum que mencionamos pode ser capaz de reconhecer valores morais fundamentais e, consensualmente, reconhecer que esses valores são deveras importantes na dimensão da sociabilidade e da política.

Mencionamos ainda que as democracias não podem confiar apenas nas virtudes dos cidadãos, uma vez que é fundamental pensar na efetividade das leis, pois as virtudes são necessárias, mas não representam uma condição suficiente para manter o funcionamento da democracia.

E é essa posição da cidadania, tendo em vista o problema da corrupção, que tem que ser consolidada, visando a fiscalização em relação às atividades das instituições políticas, pois, no que diz respeito à corrupção, constata-se que não basta uma mudança do aparato formal ou da máquina administrativa do Estado propriamente dita, e sim, reforçar os elementos de uma cultura política democrática que tenha nesse mesmo cidadão comum, feito de interesses, sentimentos e razão, o centro de especulação teórica e prática para uma democratização informal da democracia brasileira.

O reforço do acesso à transparência em quase todos os órgãos públicos foi um dos avanços inegáveis que tivemos, entretanto, falta ao nosso estado democrático de direito, um senso maior de publicidade, pelo qual essa transparência esteja referida a uma ativação da cidadania e à participação, sem os quais os esforços de combate e controle da corrupção ficarão emperrados em meio a uma cultura política tolerante às delinquências do homem público.

Assim, é necessário pensar, no caso brasileiro, em um processo de democratização no plano da sociabilidade e da cultura, tendo como horizonte uma democracia que não se resuma a seus ritos formais, mas que seja capaz de garantir a adesão do cidadão comum às instituições democráticas, tendo em vista a efetividade da lei e mecanismos democráticos de controle da corrupção, para que desta forma, voltemos a ter a utopia idílica de que futuramente o Brasil irá ser um país com menos impunidade, logo, menos violência e, consequentemente, menos corrupção.

*Marcelo Di Rezende é advogado, Mestre em Direito pela PUC-GO, Professor universitário de graduação e pós-graduação do Curso de Direito na PUC-GOIÁS e CAMBURY. Autor dos livros “A Aplicabilidade das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil”, “Academia Goiana de Direito” e “Reflexões Sobre o Direito do Início do Século XXI”. Membro da Academia Goiana de Direito, da Academia Goianiense de Letras e da União Brasileira de Escritores, Seção de Goiás.