De quantas formas um estado pode errar na execução penal?

*Marcelo Bareato

Caro leitor, é fato que o assunto execução penal, no mundo inteiro, é espinhoso e traz lacunas volumosas, especialmente, no critério recuperação do encarcerado. Todavia, o que se tem por certo e induvidoso é que quem entra no sistema terá que sair. A pergunta é: Como queremos que esse indivíduo retorne à sociedade? E, não menos importante, cumpre saber: Que tipo de sociedade ele vai encontrar?

Partindo por este caminho, não há dúvidas de que, o que prende o indivíduo ao sistema penal, cumprindo por assim dizer, sua pena, é a perspectiva de sair regenerado e mostrar uma nova face à sociedade e aos seus familiares, mostrando que ele aprendeu com os seus erros e está pronto para uma nova “fase”, por assim dizer.

Se trouxermos isso ao contexto brasileiro, onde temos um sistema arcaico, com superlotação, sem infraestrutura e sem fiscalização, por óbvio, estamos prestando um desserviço ao preso, à família do preso e à sociedade que, mais uma vez vale lembrar, vai receber esse indivíduo do lado de fora, mais cedo ou mais tarde.

Então como melhorar? Como tornar viável a recuperação daqueles que foram levados ao sistema prisional?

Como bem explica Urs Kindhäuser, em sua obra “La culpa penal en un Estado Democrático de Derecho” na obra “Derecho penal de la culpabilidad y conducta peligrosa”, com tradução de Cláudia Löpes Diaz, escrito em Bogotá e publicado pela Universidad Externado de Colombia no ano 1996, a norma é feita pelo cidadão e esse cidadão que tem o dever de respeitar a norma através de um agir comunicativo.

Quando ele (o cidadão) desrespeita a norma, quebrando o que foi pactuado, deverá sofrer uma sanção pela deslealdade que a sua conduta provocou no contexto social. Logo, a pena somente será justificada na medida em que aquele que transgrediu a norma por não ter a dimensão do valor do bem jurídico, adquira esse valor com a punição.

Mas, como adquirir esse valor se quem vai punir não tem a mínima condição para referenciar o bem jurídico?

Aqui, vale a pena mencionar João Marcos Buch, juiz corregedor da execução penal de Santa Catarina, que, em dezembro de 2019, escreveu uma carta com mensagem de fim de ano para os detentos da cidade de Joinville que acabou viralizando pela internet. Diz ele na citada carta: “Como juiz da execução penal sou taxado de defensor de bandido, sou olhado de canto de olho, sou hostilizado por parte da sociedade, cega em seus traumas, ódios e medos”, e completou “o objetivo é lutar para que o muro que divide o mundo dos livres do mundo dos presos não se torne a cerca de arame farpado dos campos de concentração do holocausto” e, finalizando “um dia a liberdade virá. Quando esse dia chegar eu desejo que vocês consigam retornar a vida em harmonia. E que a felicidade lhes sorria” (disponível no site https://revistaforum.com.br/brasil/uma-carta-emocionante-de-um-juiz-de-joinville-aos-presos-um-dia-a-liberdade-vira/, em publicação de 18/12/2019).

Vê-se, pois, que o sentido e os recados expressos nos dois pensamentos, tanto de Kindhäuser quanto de Buch, nos dão a exata noção de que não haverá solução senão entendermos o sistema como um todo e tratarmos dele como tratamos o contexto participativo da sociedade.

Não por outro motivo, a Lei de Execução Penal em seu artigo 1º, dispõe: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Em sendo assim, de várias formas o Estado, entendido como cada ente da Federação, pode errar ao não ter uma política de segurança pública transparente e que vise incentivar a máxima da ressocialização do condenado, treinando seus agentes penitenciários e servidores aos princípios da urbanidade, do respeito e da disciplina, para que adquiram, dentro do sistema, os valores que lhes serão cobrados aqui fora.

Da mesma forma, a parceria com a Judiciário se faz peça fundamental a impulsionar o bom e regular andamento do sistema prisional, na medida em que é dele a responsabilidade por fiscalizar, ao menos uma vez por mês, cada sistema prisional que compõe a sua estrutura estatal, como bem determina o artigo 66 da Lei de Execução Penal, ao dispor: “Compete ao Juiz da execução: VI – zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança, VII – inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade, VIII – interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei”.

Portanto, meu Estimado Leitor, é possível sim, ter uma execução penal eficiente. Basta que o Estado entenda o seu papel que acima de tudo, é de transparência, provendo o Judiciário dos meios necessários para que cumpra também o seu papel e dando à comunidade, a prestação de contas sobre todos os trabalhos desenvolvidos no sentido de garantir que o indivíduo que foi privado de sua liberdade possa adquirir dentro do sistema os valores necessários para o retorno a sociedade e o seu efetivo convívio como cidadão produtivo e consciente de suas obrigações.

Não é a Constituição Federal, e nem as Leis, que violam direitos, é o desconhecimento e o comodismo na busca pela informação que destroem a possibilidade de uma vida melhor e a efetiva participação de todos, como cidadão.

*Marcelo Bareato é advogado criminalista com ênfase em Direito Penal Econômico, professor da PUC-GO, mestre em direito público pela UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba-SP, doutorando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá-RJ, membro da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB Nacional, Conselheiro Nacional da Abracrim – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, presidente do Conselho de Comunidade na Execução Penal de Goiânia-GO, presidente da Comissão Especial de Direito Penitenciário e Sistema Prisional da OAB-GO e membro da Acad – Academia Goiana de Direito.