Coerência política e ação

*Ariana Garcia 

Alguns temas da pauta de direitos da mulher despertam maiores discussões e ótimas reflexões. Maternidade X Mercado de Trabalho e Oportunidades está nesse âmbito.

A maternidade não traz alterações só no corpo feminino, muda também rotina, hábitos, prioridades, visto que acompanhar o longo desenvolvimento dos filhos é próprio da espécie humana e da preservação.

Os cuidados mais próximos, também por questões culturais, acabam incumbindo a mãe, e isso influencia nas oportunidades profissionais da mulher. Tanto, que pesquisa no site da Agência Brasil, afirma que as mulheres, depois de mães, deixam o mercado de trabalho cinco vezes mais que os homens, e 21% delas retornam em média três anos após o afastamento, enquanto apenas 2% dos pais levam o mesmo tempo.

Sem falar em demissões pós-licença maternidade e em preconceito nas contratações, pela expectativa de supostas ausências e jornadas irregulares em decorrência do cuidado com a prole, que em verdade, nesse aspecto, presta-se ao bem estar e interesse de toda a família.

Sem querer criticar o empregador, trago essa digressão para aprofundar em outra seara: necessidade de decisões e políticas equânimes à inerência feminina, já que a ausência de divisão de tarefas em casa e outros fatores impõem à profissional a experiência da desvantagem na ocupação de espaços.

O Conselho Federal da OAB, diante dessa realidade também na Advocacia, estabeleceu o Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada, pelo Provimento n. 164/2015, ainda na Gestão de Marcus Vinícius Furtado Coelho, replicado nos planos estaduais das seccionais, traçando estratégias em prol das advogadas, no exercício profissional e pelo direito de participar dos planos decisórios.

O referido provimento traz ao menos três dispositivos que buscam essa lógica. O artigo 2º, III entabula “a elaboração de propostas que apoiem a mulher no exercício da profissão”; o inciso VI estabelece “a construção de uma pauta de apoio à mulher na sociedade”, focada na igualdade de gênero e na participação das mulheres advogadas nos espaços de poder (alínea a); e o inciso XII que prevê “estratégia para ampliação da participação das mulheres advogadas nas decisões das Seccionais e das Subseções”.

O espírito progressista dessa lei não é absorvido de imediato pelo tradicionalismo institucional da Ordem dos Advogados do Brasil. Porém, isto decorre de uma inércia, perfeitamente oponível pela força de outros vetores de direcionamento, bastando vontade política e ação de acordo com os novos paradigmas.

É o que o presidente da Seccional Goiana fez, por exemplo, ao defender sem pestanejar a elegibilidade da advogada Alline Rizzie Coêlho de Oliveira Garcia, no Conselho Federal, em recurso da impugnação proposta pela Chapa OAB Forte (alguns integrantes relutam além do razoável e sem consenso dentro do próprio grupo a aceitar, até hoje, o resultado das eleições).

Alline foi impugnada por não ter o lapso temporal exigido entre a licença da advocacia e sua candidatura. A licença, todavia, deu-se por contingente de saúde com o agravamento em sua gestação, o que restou claramente comprovado nos autos, inclusive com o afastamento pelo INSS. Como ficou completamente impossibilitada para o exercício da profissão, licenciou-se.

O pedido de inelegibilidade, entretanto, não contemplou as diretrizes do Provimento n. 164/2015. Ironicamente, a relatoria pela aprovação do normativo foi do nome mais expressivo do grupo político da OAB Forte, a meu ver. O argumento da impugnação não conjumina, pois, com a política louvadamente reconhecida pelo relator à época.

Em sustentação oral, o presidente Lúcio Flávio alega o Provimento e ressalta que o plano protege as mulheres, para que “não sejam penalizadas pelas vicissitudes do gênero feminino”. A inelegibilidade da conselheira seria impor restrição ao seu direito de ocupar o cargo, pela realidade que só atingiria a mulher, imposta pelo agravamento do estado de saúde na gravidez, e que impossibilitou, apenas momentaneamente, o exercício profissional, sem que as causas se protraíssem no tempo, a justificar a limitação de sua liberdade, suas oportunidades e trabalho.

O Conselho Federal acatou, em esperada coerência entre a política que elabora e suas decisões. O presidente da Seccional Goiana, de sua parte, honra as advogadas com defesa que não se distancia de sua visão inclusiva de toda a Advocacia.

Resta aguardar a mesma coerência, na aceitação do resultado, agora decidido pelo Conselho Federal. A Classe é o propósito maior e os direitos das Advogadas não devem sucumbir a vaidades político-classistas.

*Ariana Garcia é presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO e membro da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal