O bullying e as omissões das instituições de ensino

Alex Neder

A última vez que abordei este assunto foi em abril de 2011, esperando contribuir para uma mudança de posição de pais, professores e principalmente escolas e faculdades. Infelizmente, nem meu texto e centenas de outros foram capazes de sensibilizá-los para a busca de uma mudança profunda para a solução do problema. Ainda que algumas mudanças, ainda que pequenas, possam ter ocorrido, o núcleo do problema permanece. Por isso, volto ao assunto. Acredito, como cidadão, que todos nós devemos contribuir como pudermos para que a nossa sociedade melhore, seja mais solidária. Isso é importante para nós, para os nossos filhos e, principalmente, para as futuras gerações. Por isso insisto no tema.

Para os que não conhecem o significado da palavra bullying e seus efeitos (bully = valentão), ela significa tratar o semelhante com desumanidade, com grosserias, com desrespeito. Refere-se a todas as formas de atitudes agressivas, sejam verbais ou físicas, intencionais  e contínuas, que geralmente ocorrem sem motivação evidente. Elas são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de causar intimidação ou de agredir aquele que não tem capacidade de se defender, conduta essa que geralmente são realizadas dentro de uma relação desigual de forças e poder.

Estudos científicos da Universidade de Warwick e do Centro de Saúde da Universidade de Duke, dentre outros, já comprovaram que o bullying pode deixar  marcas, de forma duradoura, nas pessoas vitimas dessa agressão. Muitos as trazem até chegarem à fase adulta e há outras que não conseguem superar os efeitos do trauma, tornando-se vítimas de transtornos psiquiátricos, dentre eles a depressão, a baixa autoestima, a síndrome do pânico, a insônia e outros efeitos destrutivos.

A revista Veja de 20/04/2017, edição 2213, enfocou substancialmente os efeitos dessa pratica perniciosa e covarde e sua relevância negativa no emocional das vítimas. O bullying causa distúrbios psicossomáticos, tais como emagrecimento ou o aumento do peso, bem como distúrbios digestivos e psicológicos, tendência ao isolamento, crises de choro, depressão, angustia, queda do desempenho escolar. Mais: pode provocar, com o passar do tempo e dependendo da intensidade da agressão e da pouca capacidade de defesa da vítima, a destruição da identidade da pessoa, influenciando negativamente na sua formação, podendo comprometer seriamente a sua saúde emocional e levá-la, dependendo do caso, até ao suicido.

Embora hoje o bullying tenha se tornado um problema mundial. Ele tem ocorrido em diversos ambientes, onde as pessoas convivem diariamente, casos das  escolas, faculdades, universidades, condomínios etc., e também no ambiente de trabalho – o chamado “assedio moral” – ilícito que tem causado conseqüências desastrosas para as vítimas, familiares e, naturalmente, para toda sociedade. Infelizmente, a pratica vem aumentando, ao invés de diminuir.

Esse sentimento de poder, de dominação e de agressão está no homem e se manifesta, com maior ou menor intensidade, dependo do nível educacional e familiar de cada um. Estudos revelam que o agente ativo das agressões, geralmente, são pessoas pertencentes a famílias desestruturadas, carentes de afetividade, educação e atenção dos pais, que buscam, com essa pratica maldosa, atingir o outro descarregando sua raiva, apenas por este ser diferente. Essa diferença pode variar entre vitimas que possuam qualidades que a tornem invejadas, ou mesmo por deficiências que limitam a sua capacidade de ser uma pessoa dentro dos padrões de “normalidade”, o  que , sem dúvida, não deixa de ser também uma postura preconceituosa e discriminatória repulsiva.

Esse tipo de comportamento agressivo sempre ocorreu nos ambientes citados. Contudo, ele vem ganhando maior relevo e intensidade em razão do momento em que vivemos e da facilidade oferecida pelos meios de comunicação. Ataques são feitos no ambiente escolar, e continuam através da internet nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, criando um clima contínuo de constrangimento criminoso que descamba para a calunia, a injúria e a difamação.

O enfoque que procuro aqui ressaltar é o da negligência e da omissão inaceitável de parcela considerável das escolas públicas e particulares, que não tem cumprido o seu papel institucional e educacional, que é o de proteger a criança e o adolescente, resguardando a sua integridade física e psíquica.

Penso que, a partir do momento em que os pais entregam os filhos à escola que, certamente, possuem regras e normas de conduta disciplinar, essas instituições de ensino têm o dever e a responsabilidade indeclinável de coibir esse tipo de abuso pernicioso e destrutivo. Pelo visto, lido e ouvido, infelizmente elas têm deixado muito a desejar.

Embora as escolas públicas sejam carentes de estrutura física e humana, elas não olham para esta questão com a seriedade com que deveriam fazê-lo, até porque é delas a lida com as crianças e adolescentes mais pobres e carentes – e é uma carência de tudo, pois são filhos de pais e mães que trabalham o dia inteiro e sem meios, às vezes, de acompanhar os filhos nas suas dificuldades pessoais, o que faz dessas crianças vítimas mais vulneráveis, com menores condições de defesa, por não terem, também, o apoio familiar necessário.

As deficiências das nossas escolas públicas residem no fato da má aplicação dos recursos públicos, que são desviados pela corrupção e/ou mal empregados pela inoperância de gestão, além de termos professores pessimamente remunerados. Em síntese, há muito tempo que está faltando tudo para um ensino de qualidade. E aí o ciclo vicioso permanece e isso não mais se justifica.

Já nas escolas particulares, a questão toma outra dimensão. Boa parcela delas  simplesmente se omitem, mesmo quando são feitas reclamações por parte dos pais e alunos, fato que já sofremos na própria pele. Algumas dessas escolas, não todas,  se transformaram  em uma espécie de indústria de arrecadação, onde os rendimentos financeiros são a prioridade, em detrimento da saúde física e psíquica do aluno. Pensam tanto no lucro, mas não pensam em criar uma estrutura com profissionais da área de psicologia, para uma efetiva intervenção de combate a essa pratica deplorável, que é o bullying. Pelo visto, nada fazem para evitar a contaminação do ambiente escolar e dos alunos, fugindo a uma obrigação indeclinável de todas as instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, sem exceção.

Como tudo aquilo que não é acudido a tempo, a tendência só leva à piora, estamos vivendo tempos outros, em que a violência nas escolas está se transformando em fatos incontroláveis e resultando em verdadeiras tragédias. Exemplos não faltam. Reportemo-nos à manhã de abril de 2011, na cidade do Rio de Janeiro, quando um homem de 23 anos, Wellington Menezes de Oliveira, premeditadamente, entrou em  uma escola municipal  e atirou contra várias crianças, matando 11 e ferindo 13, todas com idade entre 12 e 14 anos de idade. O fato ficou conhecido como “O massacre de  Realengo”. O atirador gravou vídeos antes do fato, tentando justificar a sua atitude e reclamava de bullying, de varias agressões e humilhações, e, principalmente, da omissão das escolas e faculdades, vídeos publicados no G1 de noticias.

Transcorridos mais de seis anos dessa tragédia, eis que, em circunstâncias diferentes, outra tragédia acontece, agora na nossa cidade de Goiânia, onde um adolescente, possivelmente vitima de bullying (segundo matérias veiculadas pela imprensa) atira contra colegas na sala de aula,  matando dois e ferindo outros quatro.

Quantas tragédias ainda precisarão acontecer para que os responsáveis pelas escolas, faculdades e todas instituições  de ensino, as façam cumprir o seu papel de educadores e coibirem essa prática abominável?

Não estou aqui julgando ninguém, mas já passou da hora de as instituições de ensino chamarem para si a responsabilidade, de cuidarem com seriedade da integridade física e psicológica de seus alunos, juntamente com os pais,  sob pena de serem responsáveis, civil e administrativamente, podendo perder, inclusive, suas licenças de funcionamento. Afinal, não estão a cumprir com seu dever de proteger e formar um cidadão ético e equilibrado, negligenciando e se omitindo quando se deparam com essa questão que está se tornando crônica e rotineira,  em detrimento  de crianças e adolescentes em fase de formação e que estão sendo desrespeitados em sua dignidade, dentro do ambiente escolar.

Dizer desconhecer o problema demonstra falha no acompanhamento dos alunos. A escola tem a obrigação de acompanhar os seus educandos, mas jamais ignorar e banalizar o sofrimento dessas crianças e adolescentes. É necessária uma tomada de posição por parte do Ministério de Educação e das autoridades constituídas, no sentido de cobrar das instituições de ensino uma intervenção séria e efetiva no combate a essa pratica deplorável, sob pena dessas instituições de ensino, não o fazendo, serem duramente penalizadas, face à negligência inaceitável e injustificável que se perpetua.

Alex Neder é advogado criminalista, consultor jurídico e palestrante sobre temas jurídicos.