Artigo 20, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

*Ana Paula Rocha Naves

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que é conhecida como uma “Lei sobre Lei”, vez que a sua finalidade é regulamentar outras normas, trata-se do Decreto n° 4.657/42 e que fora editado em 2010 pela Lei 12.376.

Em abril de 2018, foram incluídos, na LINDB, os artigos do 20 ao 30 pela Lei 13.655/18, os quais dispõem acerca das normas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

Trata-se de uma mudança considerável à estrutura da LINDB, já que a referida inclusão versa sobre direito público em uma norma que regulamentava apenas relações privadas.

As cláusulas ficaram bem abertas, o que exige, naturalmente, estudo e proposições. Entretanto, o presente texto se restringirá a discutir apenas o art. 20 da LINDB.

A presente inclusão não se trata de uma inovação jurídica, e sim de mais um postulado jurídico, o qual deve também ser interpretado em uma análise sistemática com o art. 489 do CPC que dissecou o dever de motivar as decisões e os artigos 8°, 489 §°2 e 926 do CPC, que dispõem acerca de outros postulados jurídicos expressamente consagrados no CPC que norteiam a forma como as normas devem ser aplicadas, quais sejam eles os postulados da razoabilidade, proporcionalidade, integridade, coerência e ponderação.

Neste passo passemos a análise do art. 20 da LINDB, senão vejamos:

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.  

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. 

Por uma breve análise do artigo supratranscrito tem-se que o objetivo fora reforçar a ideia de seriedade das decisões ante a incidência de normas jurídicas vagas, as quais dão brechas para a aceitação de diversos entendimentos hipotéticos e, consequentemente, mais de um resultado.

Ao contrário do noticiado, o presente dispositivo não exige conhecimento extraprocessual do julgador, mas sim que concretize sua função pública com responsabilidade, não lastreando as decisões em princípios tão amplos.

“Veda, assim, motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem análise prévia de fatos e de impactos. Obriga o julgador a avaliar, na motivação, a partir de elementos idôneos coligidos no processo administrativo, judicial ou de controle, as consequências práticas de sua decisão. E, claro, esse dever se torna ainda mais importante quando há pluralidade de alternativas. Quem decide não pode ser voluntarista, usar meras intuições, improvisar ou se limitar a invocar fórmulas gerais como ‘interesse público’, ‘princípio da moralidade’ e outras. É preciso, com base em dados trazidos ao processo decisório, analisar problemas, opções e consequências reais.” (https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf). 

Esse dispositivo não proíbe que se decida com base em valores jurídicos abstratos, pelo contrário continua sendo possível. Contudo, as decisões com base em valores jurídicos abstratos deverão ser acompanhadas de uma análise prévia de quais serão as consequências práticas dessa decisão, evitando também uma banalização dos princípios jurídicos.

Nesse sentido, quando o legislador verbera no texto da Lei “consequências práticas da decisão” temos que fazer uma interpretação restritiva da norma, tendo em vista que a retro expressão ficou muito ampla, ou seja, mesmo havendo amplitude da sua expressão literal, através do uso de considerações teleológicas e axiológicas, deverá ser levado em consideração o critério da mens legis (vontade da lei).

Temos que a intenção foi a de que o julgador leve principalmente em consideração, além do conhecimento técnico e das regras de experiência, as consequências econômicas da decisão proferida, trata-se de realizar uma análise econômica.

“De acordo com a Análise Econômica do Direito (AED), a economia, especialmente a microeconomia, deve ser utilizada para resolver problemas legais, e, por outro lado, o Direito acaba por influenciar a Economia. Por esta razão, as normas jurídicas serão eficientes na medida em que forem formuladas e aplicadas levando em consideração as respectivas consequências econômicas.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 31). 

Ocorre que as consequências práticas da decisão devem ser analisadas sob a ótica do critério justiça e fator eficiência ou custo.

Assim, concluímos então que o dispositivo inserido na LINDB, não foi um retrocesso, mas uma forma de tentar amenizar as consequências das decisões com base na invocação de princípios universais.

*Ana Paula Rocha Naves, advogada no escritório Laudo Natel Advogados Associados.