Empregador pode descontar valores referentes às infrações de trânsito cometidas pelo empregado?
Vicente Sousa e Silva, de Itumbiara (GO)
Todo empregado que dirige veículo para poder desempenhar suas funções deve fazê-lo com respeito às leis de trânsito, sob pena de arcar com os prejuízos causados aos bens do empregador e de terceiros e, ainda, ser dispensado por justa causa. Se o empregado comete infrações de trânsito, no uso de veículo de propriedade da empresa, seja por culpa ou por dolo, deve ser exemplarmente punido pelo empregador para não incorrer em nova falta, direito conferido ao empregador através do poder disciplinar que a este é reconhecido. Via de regra, as infrações de trânsito resultam apenas em multas pecuniárias, cujos valores podem ser descontados dos salários do empregado, se houver ajuste prévio e escrito no contrato de trabalho (dano causado por culpa), conforme dispõe o artigo 462, da Consolidação das Leis do Trabalho. Se a infração de trânsito da qual resultar a multa decorrer de ato doloso do empregado, como, por exemplo, atravessar sinal vermelho, o empregador poderá efetuar o descontar do valor correspondente do salário do empregado, independentemente de previsão contratual. Sobre o tema, vale transcrever o seguinte julgado:
“Motorista — Desconto. Multa de trânsito. Possibilidade. Restando incontroverso que o empregado era o condutor do veículo da empresa, quando foi multado por infração de trânsito, é lícito o desconto efetuado pela empregadora para ressarcir-se dos prejuízos a si causados pelo empregado negligente, eis que aquele, como condutor habilitado, não pode alegar desconhecer as regras de trânsito. Basta, pois, a prova de que fosse ele o infrator para configuração de dolo, não sendo necessário nada mais do que a autuação do fiscal de trânsito. Esta possibilidade já vem aderida ao contrato de trabalho do motorista, tácita ou expressamente, pois que se trata de circunstância previsível, cujas regras são de antemão conhecidas pelo motorista.” (RO-5963/01 – TRT 3ª Reg – 3ª Turma – relator juiz Rodrigo Ribeiro Bueno, DJMG 03.07.2001 – p. 9)
Havendo a previsão contida no parágrafo 1º do artigo 462, da CLT, no contrato de trabalho, o empregador estará autorizado a descontar do empregado não só o valor da multa pela infração de trânsito, ainda que decorrente de mera culpa (negligência, imperícia e imprudência), mas também os valores dos danos causados ao veículo e a terceiros. Entretanto, se houver interposição de recurso pelo empregado, entendemos que o empregador deve condicionar o desconto da multa de trânsito ao esgotamento das vias recursais. Se o veículo conduzido pelo empregado for de propriedade da empresa, será necessário identificar o condutor do veículo no prazo estipulado no Código de Trânsito Brasileiro (15 dias). A partir do momento em que o empregado for identificado como autor da infração, ele poderá contestar administrativamente as multas aplicadas. Enquanto estiver pendente de decisão, o empregador não deve efetuar o desconto salarial da multa.
O empregado que, no exercício de suas funções, comete várias infrações de trânsito, cuja autoria e culpa fiquem devidamente comprovadas, pode ser punido com advertência, suspensão ou até dispensa por justa causa, dependendo da gravidade do ato faltoso. Todavia, se a infração de trânsito cometida pelo empregado e que gerou a multa não foi cometida no desempenho de suas funções, entendemos que a empresa não poderá aplicar advertência e nem suspensão disciplinar.
Para a dispensa por justa causa, é necessário que a conduta faltosa do empregado esteja tipificada na lei como antijurídica, exista proporcionalidade entre ato faltoso e punição, imediatismo da aplicação da penalidade, além da ausência de perdão tácito e aplicação de dupla penalidade. Há outros aspectos que também devem ser levados em consideração: o passado funcional do empregado e o tempo de serviço na empresa.
De fato. Se a infração de trânsito não se revestir de maior gravidade, não tiver maiores conseqüências, o empregado tiver longo tempo de serviço e for primário no cometimento nesse tipo de infração, entendemos que não é o caso de dispensa por justa causa.
Já o empregado que pratica várias infrações de trânsito (ainda que sem gravidade), comete desídia funcional, pois demonstra ter descuido e desatenção na direção do veículo, o que pode tornar inviável a continuidade da prestação de serviços. Pior, ainda, infrações de trânsito cometidas por quem se utiliza de veículo no desempenho de suas funções indicam imprudência e negligência, o que é verdadeiramente inadmissível diante das severas regras de trânsito. O artigo 482, e, da CLT, permite a dispensa por justa causa pela “desídia no desempenho das respectivas funções”.
Se o ato faltoso for grave, como por exemplo, colisão com outro veículo, porque o empregado estava dirigindo em alta velocidade, o contrato de trabalho pode ser rescindido por justa causa em razão de uma única falta. Da mesma forma, se o empregado for flagrado dirigindo alcoolizado em serviço, desde que o fato seja devidamente provado, poderá ser dispensado por justa causa por motivo de embriaguez em serviço (artigo 482, f, da CLT) —esse fato também configura infração grave de trânsito.