A 3ª Turma do Tribunal Regional da 18ª Região (Goiás) manteve a sentença da 11ª Vara do Trabalho de Goiânia que deferiu a uma servidora celetista dos Correios a redução da jornada sem a respectiva redução salarial, em decorrência da necessidade especial de seu filho diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A decisão é válida enquanto houver a necessidade de acompanhamento para tratamento da criança.
Em recurso ao tribunal, a defesa dos Correios pediu a reforma da sentença alegando que a jornada de trabalho de oito horas diárias é padronizada para todos os empregados da estatal, não podendo haver exceções, sob pena de afrontar a isonomia entre os empregados públicos. Justificou que a redução de jornada feriria o princípio da impessoalidade, tendo em vista tratar-se de ente público. Além disso, argumentou que a estatal tem mais de 100 mil empregados públicos com situações variadas que poderiam motivar requerimentos semelhantes, gerando caos no ambiente de trabalho.
O recurso foi analisado pela desembargadora Silene Aparecida Coelho, relatora. Em seu voto, ela mencionou relatório da psicóloga que assiste a criança, no sentido de que, para resultados melhores e eficazes, é recomendada intervenção intensiva e precoce. A psicóloga afirma a necessidade da presença dos pais durante as intervenções e recomenda tratamento com fonoaudióloga e terapia ocupacional no mínimo três vezes por semana, além de musicoterapia e intervenção com psicóloga uma vez por semana.
Para a relatora, o magistrado de primeiro grau proferiu sentença de forma correta, invocando a convenção internacional e o direito interno. Ela explicou que a Lei nº 12.764/2012 considera pessoa com deficiência a pessoa com transtorno do espectro autista, para todos os efeitos legais. Além disso, o Decreto nº 8.368/2014, que regulamentou essa lei, estabelece que aplicam-se às pessoas com transtorno do espectro autista os direitos e obrigações previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que em 2009 passou a ter status de Emenda Constitucional.
Aplicação analógica da Lei 8.112/1990
“A garantia de condições de acompanhamento aos pais da criança com deficiência – quando esse acompanhamento se mostrar, como no caso em exame, indispensável ao atendimento adequado da criança – é amparado pelas normas jurídicas em vigor”, apontou Silene. Ela mencionou serem aplicáveis ao caso os parágrafos 2º e 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/1990, que asseguram horário especial ao servidor estatutário portador de deficiência ou que tenha cônjuge, filho(a) ou dependente com deficiência.
Silene Coelho reconheceu que o legislador ordinário foi omisso ao não estender, expressamente, tal garantia aos trabalhadores celetistas, considerando-se que trata-se de política pública ampla, decorrente de norma constitucional e de compromisso internacional assumido pelo Estado brasileiro. Para a relatora, a extensão dessa norma à Administração Pública Indireta representa a concretização do princípio da isonomia.
Convenção internacional
A desembargadora também ressaltou os argumentos do juízo da primeira instância, no sentido de que, enquanto integrante da Administração Pública Federal, a reclamada se vincula ao princípio da legalidade, devendo observar as normas constitucionais – o que inclui a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e as regras delas derivadas, como a garantia de redução de jornada.
A relatora acrescentou, por fim, que a diferença de regime laboral (estatutário ou celetista) não autoriza a distinção em matéria de direitos e garantias, na medida em que as diversas regras legais devem estar em consonância com a Constituição e, em particular, com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Também afirmou que a decisão não afronta o art. 468 da CLT, porquanto essa norma é protetiva e prevê o mútuo consentimento para alteração do pactuado que não provoque prejuízos ao empregado, o que não se mostra no caso, já que o valor da remuneração será preservado.
Assim, por unanimidade, os membros da 3ª Turma decidiram manter a sentença que determinou a redução da carga horária da reclamante em 50%, sem necessidade de compensação de horários ou diminuição de remuneração, enquanto houver a necessidade de acompanhamento do filho com deficiência. Também foi arbitrada multa diária de R$ 1 mil em caso de inadimplemento. (TRT de Goiás)
Processo – 0011755-64.2020.5.18.0011