A impenhorabilidade da pequena propriedade rural

O colega Leonardo Sobral Moreira, advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e Processual Civil no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados, escreve hoje sobre a impenhorabilidade da pequena propriedade rural.

Ele é associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Processual Civil. Pós-graduado em Direito Agrário e Agronegócio na Faculdade Araguaia – GO. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/GO.

Leia a íntegra do texto:

Leonardo Sobral Moreira

A Lei Federal nº 8.629/93 dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, conceituando imóvel rural como o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. Ainda, conceitua pequena propriedade como o imóvel rural de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento.

Por sua vez, o Código Florestal Brasileiro dispõe que pequena propriedade ou posse rural familiar seja aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária.

Por fim, a Lei nº 11.326/06 considera agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos requisitos de não deter área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; utilizar predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; ter percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento e, dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Feitas tais considerações conceituais, impede destacar que os requisitos exigidos por lei para a impenhorabilidade de imóvel rural são: pequena propriedade e que seja trabalhada pela família.

Isso porque, segundo o Código de Processo Civil e a Constituição Federal, respectivamente, é impenhorável a pequena propriedade rural desde que trabalhada pela família e, esta não é objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva.

Neste sentido, outro não é o entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal:

PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 5º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (…) 2. A pequena propriedade rural consubstancia-se no imóvel com área entre 01 (um) e 04 (quatro) módulos fiscais, ainda que constituída de mais de 01 (um) imóvel, e que não pode ser objeto de penhora. 3. A garantia da impenhorabilidade é indisponível, assegurada como direito fundamental do grupo familiar, e não cede ante gravação do bem com hipoteca. 4. Recurso extraordinário não provido, com fixação da seguinte tese: “É impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização”. (ARE 1038507, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-049 DIVULG 12-03-2021 PUBLIC 15- 03-2021)

Ou seja, é impenhorável o imóvel que se enquadra como pequena propriedade rural, indispensável à sobrevivência do agricultor e de sua família, consoante disposto na Lei n° 8.009/1990, norma cogente e de ordem pública que tem por escopo a proteção do bem e da família, calcado no direito fundamental à moradia.

Nesse contexto, o dispositivo constitucional não admite que se efetive a penhora da pequena propriedade rural para assegurar o pagamento de dívida oriunda da atividade agrícola, ainda que dada em garantia hipotecária, havendo que se reconhecer a impossibilidade de débitos de outra natureza viabilizar a constrição judicial de bem do qual é extraída a subsistência do agricultor e de sua família.

Vale destacar ainda que, no âmbito judicial, é ônus do pequeno proprietário (devedor) a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, seja explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real.

Nota-se que o próprio microssistema de direito agrário entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destina à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista estar voltado para garantir sua subsistência.

Assim, não havendo dúvida quanto à presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao credor o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiper proteção da pequena propriedade rural.

Portanto, pode-se concluir que a proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo em vista que o bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível, que restringe, justamente, em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio necessário à manutenção e à sobrevivência da família.

Leonardo Sobral Moreira, advogado, atuante na área de Direito do Consumidor, Civil e Processual Civil no escritório Denerson Rosa Sociedade de Advogados. Associado ao Instituto de Estudos Avançados em Direito e membro do Núcleo de Direito Processual Civil. Pós-graduado em Direito Agrário e Agronegócio na Faculdade Araguaia – GO. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/GO. E-mail para contato: leo_sobral_@msn.com. Leonardo está no Instagram como @_leonardosobral.